PCDT Rosa completa seis meses com lacunas no acesso a tratamentos pelo SUS
Em junho, completam-se seis meses desde a publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Câncer de Mama, conhecido como PCDT Rosa, documento que visa otimizar o acesso ao diagnóstico e tratamento da doença no Sistema Único de Saúde (SUS), padronizando o cuidado e regulamentando a disponibilização de terapias. No entanto, apesar das diretrizes estabelecidas, medicamentos para o câncer de mama metastático – aprovados desde 2021 pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) – não são disponibilizados até hoje às mulheres em jornada oncológica que deles necessitam.
Por conta desse entrave, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA) promove a campanha “PCDT Rosa: quantos passos faltam?”, com objetivo de mobilizar a sociedade e sensibilizar a gestão pública e o Ministério da Saúde a garantir o acesso aos tratamentos.
Caminhada rumo ao acesso
Partindo da compreensão de que os marcos legais são apenas o início do percurso percorrido rumo ao pleno acesso ao diagnóstico precoce e tratamento adequado, a iniciativa da FEMAMA destaca que a efetividade de uma política pública reside na disponibilização integral ao paciente de tudo aquilo que a regulamentação estabelece.
Considerando que a incorporação dos medicamentos, em 2021, pela portaria SCTIE/MS nº 73, foi o primeiro passo de uma longa caminhada, e que a publicação do PCDT Rosa, em 2024, foi mais um importante movimento, FEMAMA organizou uma campanha que remete a um percurso, similar aos aplicativos de caminhada e corrida, para mostrar o quanto já se avançou desde a incorporação dos tratamentos pela CONITEC.
A grande questão é: quantos passos ainda precisam ser dados para que mulheres com câncer de mama metastático possam ter acesso às terapias adequadas?
Na campanha atual, a Federação aponta que, ao se considerar que uma pessoa saudável caminha cerca de 7 mil passos por dia, então 8.932.000 passos foram dados, desde 2021, até o marco dos seis meses da publicação do PCDT, sem a disponibilização dos tratamentos para as pacientes.
Diante do cenário atual do câncer de mama no Brasil, onde, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), são esperados cerca de 74 mil novos casos anuais da doença,1 e cerca de 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, Maira Caleffi, presidente fundadora da FEMAMA e chefe do Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento, considera que o cumprimento das determinações do PCDT Rosa é urgente, uma vez que o acesso aos medicamentos adequados impacta diretamente na qualidade de vida e recuperação das pacientes.
“Ao estabelecer um conjunto de normas e recomendações baseadas em evidências científicas, o PCDT Rosa visa garantir a todas as mulheres em jornada oncológica um cuidado de qualidade no Sistema Único de Saúde, independente de sua classe social, cor ou lugar onde reside. No entanto, sem a disponibilização dos medicamentos adequados, o que se vê é a diminuição das chances de cura dessas mulheres e uma correlação direta com a mortalidade pela doença, principalmente na fase metastática”, alerta a especialista. “Em 2024, a FEMAMA mobilizou o país e as autoridades para a publicação do PCDT. Neste mês, retomamos a discussão para garantir que de fato haja o acesso igualitário aos tratamentos, como o próprio Ministério da Saúde preconiza.”
Confira a seguir algumas perguntas e respostas que contextualizam a importância do PCDT Rosa:
O que é o PCDT Rosa?
Quando falamos em PCDT, estamos nos referindo ao documento técnico-científico chamado “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Câncer de Mama”. Esse documento estabelece as melhores práticas para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento do câncer de mama, a serem seguidos pelos gestores do SUS. Seu objetivo é padronizar o cuidado, assegurando que toda paciente tenha acesso a um tratamento universal, eficaz e seguro.
Além de indicar os protocolos de rastreamento e exames para fins de diagnóstico, o documento tem como objetivo orientar profissionais de saúde sobre os melhores tratamentos e práticas para o cuidado com o câncer de mama, definindo e padronizando protocolos. A função do PCDT é orientar e facilitar a escolha das melhores opções terapêuticas, aumentando as chances de um diagnóstico precoce e criando condições para uma maior eficácia dos tratamentos. Além disso, a padronização dos procedimentos otimiza a utilização dos recursos disponíveis no sistema de saúde público e privado.
Por que o PCDT Rosa é tão importante?
Em 2021, novos tratamentos para o câncer de mama foram incorporados pela CONITEC ao SUS. Mesmo assim, parte desses tratamentos ainda não tinha sido disponibilizada, em razão da necessidade de atualização dos protocolos e diretrizes. Isso significa que muitas mulheres estavam sendo privadas do acesso ao tratamento mais efetivo e atualizado no SUS.
Embora o acesso a tratamentos já incorporados e ainda não disponibilizados pudesse ser garantido em processos judiciais, o excesso de ajuizamentos acaba prejudicando o sistema de saúde como um todo. O fortalecimento das diretrizes, por meio da publicação do PCDT Rosa e a capacitação dos profissionais da Atenção Primária em Saúde (APS), é essencial para o controle do câncer de mama no Brasil e para garantir maiores chances de cura para mulheres em jornada oncológica. Somente a oferta de políticas públicas efetivas e custo-eficientes pode superar as barreiras enfrentadas pelas mulheres brasileiras para tratar o câncer de mama.
Qual o motivo do atraso na disponibilização das medicações para câncer de mama metastático no SUS?
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Câncer de Mama define quais tratamentos devem ser oferecidos para cada tipo e estágio da doença, conforme estabelecido pela Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC).
Antes da implementação do PCDT, cada unidade ou centro de assistência em oncologia decidia, de forma independente, quais terapias seriam utilizadas, o que resultava em grandes desigualdades no acesso e na qualidade do cuidado prestado, diferenças que ainda persistem. Nesse sistema, o repasse de recursos federais para custeio dos tratamentos é feito diretamente aos centros de atenção oncológica, com base nos valores das Autorizações de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade (APACs). No entanto, esse orçamento muitas vezes não cobre o custo real dos medicamentos e os pacientes ficam sem acesso.
A padronização proposta pelo PCDT é fundamental, pois permite ao Ministério da Saúde realizar compras centralizadas, reduzindo os custos e ampliando o acesso da população aos tratamentos. Ainda assim, o PCDT não está integrado a um sistema específico de precificação e financiamento de medicamentos no SUS. Por isso, é necessária a publicação de uma portaria do Ministério da Saúde que estabeleça regras claras para o acesso a novos medicamentos e regulamente a criação do Componente da Assistência Farmacêutica em Oncologia (AF-ONCO).
Qual é a situação atual de disponibilidade de terapias para câncer de mama metastático no SUS?
Um estudo publicado este ano no Jornal de Assistência Farmacêutica e Farmacoeconomia3 analisou a disponibilidade de medicamentos antineoplásicos incorporados ao SUS entre 2012 e 2024. Dos 24 medicamentos avaliados, apenas oito estão plenamente disponíveis aos pacientes, um possui acesso parcial e 15 ainda não estão acessíveis. É o caso dos inibidores de ciclina, indicados no PCDT para o tratamento do câncer de mama metastático, que deveriam estar disponíveis na rede pública há mais de 40 meses.
A pesquisa também revelou que a maioria dos medicamentos que os usuários do SUS têm acesso são adquiridos por meio de compras centralizadas pelo Ministério da Saúde. No entanto, mesmo nesses casos, há uma média de 66 meses entre a incorporação do medicamento ao SUS e a publicação do primeiro contrato de aquisição.