“Pandemia” de canabinoides à vista

Por Sandro Blasi Espósito

Segundo a Organização Mundial da Saúde, pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença. O termo passa a ser usado quando uma epidemia – surto que afeta uma região – se espalha por diferentes continentes, com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.

No contexto das medicações, podemos traçar um paralelo com o uso indiscriminado de medicamentos psicoativos como uma prática comum, muitas vezes sem acompanhamento adequado de um profissional de saúde.

O crescente fardo das doenças mentais continua sendo uma grande preocupação global, com altos custos e necessidades não atendidas de tratamento em todo o mundo. O estudo World Mental Health (WMH) da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizado em 28 países, estimou em, aproximadamente, 18% a 36% a prevalência ao longo da vida de transtornos de ansiedade, humor, comportamento disruptivo e transtornos por uso de substâncias do DSM-IV.

Os países de baixa e média renda compreendem mais de 80% da população mundial e, apesar da alta prevalência e impacto da ansiedade, flutuações de humor, controle de impulsos e transtornos por uso de substâncias identificados nas pesquisas do WMH nesses países, mais de 75% dos indivíduos não receberam nenhum cuidado, o que demonstra as deficiências no acesso ao tratamento.

No contexto dos psicofármacos, a sociedade já vivenciou os problemas resultantes do uso indiscriminado de benzodiazepínicos. Em 1977, as benzodiazepinas eram os fármacos mais receitados em todo o mundo.

Atualmente, colhemos os frutos da epidemia de opioides nos Estados Unidos. Somente em 2021, mais de 71 mil pessoas entre 19 e 49 anos morreram nos EUA por overdose ou intoxicação por fentanil, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), órgão governamental de monitoramento de saúde do governo federal estadunidense.

De acordo com a excelente publicação dos professores Thiago Rodrigues e Paulo Pereira, de 6 de abril de 2023, grandes empresas farmacêuticas, entre os anos 1990 e 2000, conseguiram criar uma panaceia: o medicamento opioide perfeito, sem risco de abuso. Por isso, ele poderia ser usado em muitas situações de dor, inclusive a dor crônica, que demanda uso prolongado e é a forma mais comum de queixa de pessoas que sofrem com dores.

Sendo assim, um “remédio” potente e supostamente inofensivo teria um potencial lucrativo imenso. É interessante notar que tática similar foi utilizada em outros momentos históricos, com drogas psicoativas diferentes, sempre propagandeadas como “elixires contra todos os males”.

O mercado de cannabis nos EUA deve atingir US$ 45 bilhões em vendas até 2027. Não existe fármaco com tantas indicações: epilepsias refratárias, insônias, Alzheimer, Parkinson, dor crônica, esclerose múltipla, transtorno de ansiedade etc.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2022 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a legalização da cannabis na América do Norte parece ter provocado aumento no uso diário da substância, sobretudo de produtos mais potentes e particularmente entre os jovens adultos. Também foram relatados aumentos relacionados a pessoas com transtornos psiquiátricos, suicídios e hospitalizações. A legalização também aumentou a receita tributária e, em geral, reduziu as taxas de prisão pela posse da substância.

Avanços científicos e tecnológicos resultaram na criação e proliferação de compostos químicos que imitam os efeitos dos canabinoides naturais, presentes na planta de cannabis. Esses compostos, os canabinoides sintéticos (CS), também conhecidos como agonistas sintéticos dos receptores canabinoides, emergiram no cenário mundial como uma preocupação no campo da saúde pública. Conhecidas coloquialmente como “Spice”, “K2”, “K4”, “K9”, “Kronic” ou “ervas sintéticas”, essas substâncias geram efeitos imprevisíveis no organismo.

No cenário global contemporâneo, o fenômeno das drogas evolui de maneira surpreendente e desafiadora, apresentando-se, cada vez mais, em um contexto em que substâncias ilegais tradicionais compartilham mercado com substâncias recém-criadas.

Essas são as consequências terríveis de quando a voracidade por lucro das empresas fármaco-químicas se encontra com a voracidade por lucro do tráfico de drogas, resultando em sofrimento físico e psíquico e na morte de milhares de pessoas.

Enfatizo aqui a importância de mobilizar a comunidade internacional, os governos, a sociedade civil e as partes interessadas para que tomem medidas urgentes para proteger as pessoas, inclusive fortalecendo a prevenção ao uso de drogas e o tratamento adequado dos transtornos psiquiátricos.


*Sandro Blasi Espósito é Graduado e mestre em Medicina pela PUC-SP, doutor em Neurologia pela Universidade de São Paulo (2003), professor assistente doutor e coordenador da disciplina de Neurologia do curso de Medicina da PUC-SP, atua com ênfase em Neurologia Infantil, sobretudo nos seguintes temas de epilepsia, sono, infância, cefaleia e terapêutica.

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