A nova geografia da saúde: capilaridade como estratégia
Por Ícaro Vilar
Na pesquisa Quaest, divulgada no segundo trimestre de 2025, a saúde apareceu como uma das cinco maiores preocupações da população brasileira, atrás apenas de violência (29%), questões sociais (23%) e economia (19%). Com 12% das menções, ficou à frente até mesmo de temas como corrupção (10%) e educação (7%), sinalizando um sentimento coletivo que se mantém constante ao longo dos anos, o de que o cuidado com a saúde ainda está longe de ser uma realidade plenamente acessível a todos.
O dado não surpreende, pois sabemos que o sistema público de saúde, mesmo com sua importância histórica e social inquestionável, opera sob enorme pressão. A sobrecarga de atendimentos, os gargalos de estrutura e a limitação de recursos impõem desafios diários, não apenas para os gestores, mas, principalmente, para os cidadãos que mais dependem desse atendimento.
Nesse cenário, modelos de negócio que operam no campo da atenção primária têm ganhado espaço como parte de uma solução sistêmica. Não se trata de substituir o sistema público de saúde, mas de colaborar para seu fortalecimento, atuando como rede complementar e contribuindo diretamente para desafogar os atendimentos de atenção básica, e fazer isso de forma mais ágil, próxima e humanizada.
Nos últimos anos, temos visto um movimento crescente de empresas estruturadas para atuar nesse campo com foco em impacto social. São negócios que alinham expansão territorial à ampliação de acesso, e que encaram a capilaridade como um caminho para gerar valor, não apenas econômico, mas também coletivo. Essa estratégia, no entanto, exige planejamento sólido, com validação de um modelo funcional, consolidação de processos e parceiros e, por fim, a ampliação com equilíbrio, sempre com base em dados e na escuta dos territórios atendidos. Afinal, mesmo com o foco em impacto social, trata-se de um negócio.
Mais do que abrir novas unidades, o desafio está em garantir que cada ponto de atendimento represente uma experiência de cuidado genuína. Isso passa por formar equipes alinhadas com esse propósito, estabelecer protocolos eficientes e manter uma cultura de monitoramento constante da qualidade. Nesse sentido, a tecnologia tem sido uma aliada importante, seja no suporte ao diagnóstico, no agendamento de consultas ou na telemedicina, mas ela nunca deve substituir o essencial: o vínculo próximo entre o profissional de saúde e o paciente.
Ao levar atenção primária a locais onde há demanda não atendida, esses modelos contribuem para algo maior do que o atendimento individual, gerando emprego, movimentando economias locais e ajudando a criar novas referências de cuidado em comunidades distantes dos serviços de saúde. É um tipo de expansão que, quando bem conduzida, tem efeito estrutural duradouro.
Claro, há desafios nesta jornada de se equilibrar propósito e impacto com capilaridade e sustentabilidade do negócio. Escalar mantendo a qualidade exige uma homeostase delicada entre padronização e sensibilidade local. Mas há um entendimento que se torna cada vez mais evidente no setor: não se trata apenas de crescimento, mas de crescimento com responsabilidade. A saúde, mais do que uma demanda de mercado, é uma urgência social e, como tal, exige de todos nós, gestores, empreendedores e profissionais da área, um compromisso contínuo com soluções que respeitem o contexto, a dignidade e o tempo das pessoas.
Se o acesso à saúde é um direito constitucional, então tudo aquilo que colabora para que esse direito se torne real precisa ser encarado como prioridade. A atenção primária, com sua potência resolutiva e preventiva, é um dos caminhos mais promissores para isso, especialmente quando pensada com inteligência, cuidado e vocação para servir.
*Ícaro Vilar é CEO do AmorSaúde.