Neuromielite Óptica: Falta incentivo governamental para tratamentos
Por Marco Lana
No Brasil, a falta de apoio governamental para o desenvolvimento de pesquisas em saúde traz grande prejuízo à sociedade ocasionando maior dificuldade na criação de técnicas e estratégias de diagnóstico e tratamento de doenças, deixando a população brasileira órfã de cuidados médicos adequados e em risco de sequelas graves e irreversíveis.
Uma das doenças que ainda carece de pesquisas e melhor tratamento no Brasil é a Neuromielite Óptica. Ainda pouco conhecida pela população em geral, a NMO é uma doença autoimune rara, porém de extrema gravidade pelo risco de morte ou de incapacidade física permanente. Ela ataca o sistema nervoso central, envolvendo principalmente os nervos ópticos e a medula espinhal e causando perda da visão e paralisia.
A neuromielite se manifesta em surtos recorrentes de perda de visão, fraqueza muscular, dificuldade de caminhar, alterações da sensibilidade, perda de controle da bexiga e intestino, náuseas, soluços e vômitos. Outros sintomas são a visão dupla, dor ou dormência no rosto, vertigem ou tontura e perda de equilíbrio. O mecanismo da doença é o ataque às células nervosas pelo anticorpo contra a aquaporina-4, uma proteína com elevada concentração em algumas áreas do sistema nervoso, como os nervos ópticos e a medula espinhal.
A maior parte dos casos ocorre em mulheres jovens, entre 30 e 45 anos, e em negros e pardos. A doença, no entanto, acomete todas as raças, ambos os sexos, e qualquer idade, desde crianças a pessoas idosas.
Uma pesquisa do Centro de Investigação em Esclerose Múltipla (CIEM) da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, realizada com o apoio do Comitê Brasileiro de Pesquisa e Tratamento em Esclerose Múltipla (BCTRIMS), demonstrou que o Brasil pode ter uma das mais elevadas prevalências da neuromielite óptica em todo o mundo. A taxa de prevalência encontrada em Belo Horizonte foi de 4,5 casos para cada 100.000 habitantes, representando a segunda taxa mais elevada em todo o mundo.
Apesar de sua alta prevalência no país, a doença é ignorada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que não fornece meios para seu diagnóstico e tratamento. O teste laboratorial para confirmação da neuromielite óptica é a identificação no sangue do anticorpo anti-aquaporina 4 que inicia o processo inflamatório responsável pelo aparecimento dos sintomas do paciente. Este teste, disponível na rede laboratorial privada ou dos planos de saúde, já por muitos anos, não é feito pelo SUS, ocasionando o atraso do diagnóstico e do tratamento.
O SUS também não disponibiliza os medicamentos imunossupressores usados após os ataques agudos da doença para a redução do risco de recorrências. Evidências científicas demonstram que novos ataques com maior dano à visão e à medula espinhal predominam nos primeiros meses após o início da doença, tornando o diagnóstico e o tratamento precoces fatores de grande importância para a preservação da saúde dos pacientes. Enquanto a população de países desenvolvidos já vem recebendo os medicamentos mais modernos, com maior eficácia na prevenção de novos ataques da neuromielite óptica, os brasileiros ainda lutam para ter o diagnóstico da doença, mesmo tardiamente, e o uso das drogas menos efetivas em seu controle.
O estudo da prevalência da neuromielite óptica, em Belo Horizonte, por enquanto, é o único que reúne dados sobre a frequência da doença no país. O BCTRIMS planeja mapear a neuromielite óptica no Brasil, mas necessita de apoio governamental para o desenvolvimento da pesquisa. Fundado justamente com o objetivo de estudar as doenças desmielinizantes, como a Esclerose Múltipla e a Neuromielite Óptica, o Comitê, apesar do entusiasmo de seus pesquisadores, oriundos das várias universidades brasileiras, continua vendo suas atividades científicas limitadas pela falta de recursos.
O melhor conhecimento da frequência da neuromielite óptica nas várias regiões do Brasil poderá fornecer subsídios para o estabelecimento de estratégias de saúde pública para a mais rápida identificação da doença e início do tratamento, preservando a vida e evitando sequelas incapacitantes como a cegueira e a paralisia.
*Marco Aurélio Lana Peixoto é vice-presidente do BCTRIMS e fundador do Centro de Investigação em Esclerose Múltipla (CIEM) da Universidade Federal de Minas.