Por que as mulheres ainda negligenciam a saúde cardiovascular
A lista de fatores de risco que levam às doenças cardiovasculares (DCVs) em mulheres é muito maior do que a dos homens. Existe o ranking comum a ambos os sexos: pressão alta, colesterol elevado, obesidade mas, mesmo entre estas causas, algumas terão mais impacto na saúde feminina. É o caso do diabetes, hipertensão e tabagismo cuja probabilidade de desencadear DCVs nelas é 25% maior.
Depressão, ansiedade e estresse agudo – fatores vinculados à saúde mental – também são mais recorrentes entre elas. “O excesso de preocupação com a família, a dupla – ou até tripla – jornada, que inclui vida doméstica e trabalho, podem justificar”, afirma a cardiologista Maria Teresa Bombig, integrante do SOCESP Mulher, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. “A autonegligência em prol de cuidados com terceiros leva à falta de prioridade com a própria saúde.”
E ainda há riscos exclusivamente femininos, como a síndrome dos ovários policísticos; falência ovariana precoce; complicações gestacionais; eclampsia; pré-eclampsia; histórico de câncer de mama e seus tratamentos e prevalência de doenças autoimunes/inflamatórias. “Além disso, na menopausa perde-se a proteção do estradiol que, entre outras funções, ajuda a manter ou reduzir o colesterol LDL e aumenta o colesterol HDL, essencial para a prevenção de DCVs”, esclarece a cardiologista Nina Azevedo, também integrante do SOCESP Mulher. “Outra questão é que temos artérias coronárias menores e de menor calibre, o que contribui para síndromes obstrutivas coronarianas.”
Em seu congresso anual – que acontece entre os dias 19 e 21 de junho no Expo Transamerica, em São Paulo, a SOCESP abre espaço para discutir, ampliar conhecimento sobre doenças cardiovasculares em mulheres e implementar soluções que atendam às necessidades específicas do público feminino.
Pesquisa
Uma pesquisa publicada neste ano na Revista da SOCESP, cujo objetivo foi investigar o conhecimento de mulheres sobre fatores de risco para a própria saúde cardiovascular, denota escassez de conscientização sobre prevenção e sintomas. Uma das conclusões foi que não há consciência sobre mudanças comportamentais relativamente simples para afastar complicações: apenas 6,7% das entrevistadas concordaram que hábitos saudáveis – como se alimentar bem e atividade física regular – têm impacto positivo para o coração. “O desconhecimento sobre medidas ao alcance de todos explica o alto percentual de óbitos em mulheres: 35% das mortes anuais são por DCVs.”, diz Maria Teresa Bombig. “Manter dietas balanceadas, praticar atividade física, controlar parâmetros de diabetes e colesterol e dormir bem contribui para evitar danos ao sistema cardiovascular.”
Síndrome do Coração Partido
Entre as DCVs que impactam predominantemente o sexo feminino, a Síndrome do Coração Partido ou de Takotsubo talvez seja a mais prevalente, com 90,5% dos casos atingindo mulheres. Trata-se de uma condição cardíaca muito semelhante ao infarto, que só se diferencia com angiografia coronária. A síndrome pressupõe uma descarga de adrenalina que promove o estreitamento das artérias que irrigam o coração, modificando, mesmo que temporariamente, o funcionamento do músculo cardíaco. Estima-se que seja responsável por até 2% das ocorrências investigadas como síndrome coronariana aguda (SCA).
A doença ficou conhecida como “coração partido” porque entendia-se que havia uma ligação entre um pico de estresse emocional ou físico derivado de alguma situação aguda – um susto ou desilusão amorosa. Mas trabalhos recentes provaram que a taxa de estresse antecedendo os sintomas gira em torno de 27%. “Isso prova que a ausência de uma questão emocional precedendo o quadro clínico não exclui o diagnóstico”, diz Nina Azevedo.
“Os pacientes geralmente se queixam de dor torácica (súbita e intensa), dispneia (dificuldade em respirar), tontura, problemas gastrointestinais (incluindo dor de estômago e perda de apetite) e alterações eletrocardiográficas que mimetizam um infarto agudo do miocárdio, mas sem obstruções coronárias significativas”, explica a cardiologista. “O impacto maior sobre o sexo feminino é atribuído a fatores hormonais e sociais: via de regra, mulheres assimilam e respondem ao estresse emocional de forma mais aguda que os homens.”
Tecnologia para a saúde cardiovascular feminina
Para motivar o público feminino a exercer o autocuidado de forma prática e incorporada à rotina, empresas de tecnologia – em sua maioria startups – desenvolvem produtos e serviços voltados ao bem-estar das mulheres. As Femtech, como são conhecidas, criam soluções como aplicativos, eletrônicos portáteis de inteligência artificial e wearables, dispositivos usados junto ao corpo para registrar parâmetros, como pressão arterial e batimentos cardíacos.
Também há plataformas digitais para conscientizar sobre a vulnerabilidade cardiovascular, enfatizando situações exclusivas do sexo. “O mercado das Femtech está em ascensão e promete transformar a relação feminina com o próprio corpo, viabilizando o conhecimento sobre parâmetros que sinalizam riscos cardiovasculares”, diz Nina Azevedo. “Mas temos que ressaltar que nenhuma tecnologia substitui a consulta médica e a realização de exames de rotina para a prevenção.“