A melhoria do SUS depende de remunerações dignas
Em seu discurso de posse, o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, falou sobre a necessidade de estabelecer uma mudança de financiamento do Sistema Único de Saúde e “enterrar a tabela SUS”. Esta tabela é uma referência que define os valores fixos que devem ser pagos pelo governo aos hospitais e clínicas e laboratórios que atendem pacientes pelo SUS. Ela é usada para remunerar igualitariamente por cada serviço prestado, modelo conhecido como fee for service.
Algo que já vem sendo discutido há muito tempo no próprio Ministério da Saúde e no âmbito da saúde suplementar, é deixar de utilizar esse modelo de pagamento por procedimento e passar a remunerar os prestadores de serviço por desfecho, ou seja, em vez de pagar o tratamento simplesmente pelo valor fixo de um procedimento, remunera-se pelo conjunto de ações multiprofissionais que compõe o acompanhamento do paciente, desde a admissão até a alta, premiando os melhores resultados.
Mudar o modelo de remuneração atual para uma forma mais justa que possa diferenciar atendimentos e valorizar quem investe em qualidade assistencial é um anseio do setor. A prestação de serviço de terapia renal substitutiva (TRS), que é regida por uma série de portarias e resoluções que estabelecem em seu texto metas e indicadores, seria perfeita para que o Ministério da Saúde iniciasse um plano piloto para um novo modelo de remuneração. O setor de diálise pode atender na prevenção, no tratamento dialítico e pré transplante – o que torna mais fácil a fiscalização no cumprimento de metas e análise de indicadores, usando diferentes modelos de acordo com o serviço prestado.
Na prevenção (pré dialítico), o modelo por captação (capitation) seria o melhor, pois se estabelece um valor fixo por pessoa cadastrada (per capita) para o fornecimento de serviços de saúde previamente contratados. Esse número de vidas é definido para cada prestador de serviço por um período especificado de acordo com a área e capacidade instalada.
O valor unitário é definido pelo risco paciente considerando idade, sexo, patologia de base entre outros e multiplicado pela população a ser atendida. Cabe ao prestador de serviços cobrir todos os custos no tratamento dessas vidas sobre sua gestão em um modelo de compartilhamento de risco com a fonte pagadora.
Exemplificando o estágio 4 pré dialítico de doença renal crônica (DRC), na região de saúde Sul Matogrossense há três clínicas de diálise, 601 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e 419 mil pessoas com mais de 20 anos. Seguindo orientação dos critérios e parâmetros assistenciais para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, a região teria 839 pacientes nesse estágio 4 de doença renal crônica. E ainda de acordo com as regras da portaria 1565, as consultas multiprofissionais deveriam ser mensais (médico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo e assistente social). Esse acompanhamento é a linha tênue entre entrar em diálise de urgência ou manter- se por mais tempo em tratamento conservador.
Minha sugestão é que 280 pacientes por clínica seriam mensalmente atendidos no modelo Capitation e cada clínica seria remunerada prospectivamente, ou seja, pelo número de vidas vezes o valor per capita pagos antecipadamente. Porém, como esse modelo implica em custear todo o atendimento do paciente durante o período determinado e não se pode pagar diretamente uma possível internação no SUS, proponho um modelo híbrido, em que parte do repasse é prospectivo e parte retrospectivo, baseado em indicadores.
As três clínicas recebem o valor prospectivo idêntico e baseado em seus resultados, como taxa de internação, mortalidade e outros indicadores laboratoriais que estão inseridos na portaria 1565 de 2017, e no final do contrato, que é anual, o Ministério da Saúde complementa o valor. Na diálise não seria diferente, cabendo apenas alguns ajustes no pagamento por desempenho, já que segue a mesma portaria que também apresenta indicadores de qualidade para diálise em seu anexo.
Uma remuneração digna com modelo baseado em valor proporciona uma melhor qualidade de vida para o paciente, de um setor de atenção à saúde que tem uma peculiaridade que lhe torna único: os pacientes passam mais de uma década sob tratamento semanal.
*Leonardo Barberes é vice-presidente da Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante ( ABCDT)