COP30: Brasil não prepara seus médicos para a crise climática
Por Mara Machado
Às vésperas da COP30, que levará os olhos do mundo para Belém, no Pará, precisamos encarar uma verdade incômoda: não estamos prontos nem para o básico. Uma pesquisa inédita com mais de 3 mil médicos e profissionais de saúde mostra que apenas 10% receberam algum tipo de capacitação sobre os impactos da crise climática na saúde. Isso significa que, em plena região Amazônica, onde os efeitos das mudanças climáticas já são realidade, nove em cada 10 profissionais seguem despreparados para orientar seus pacientes e atuar de forma consistente.
O levantamento foi realizado pelo Instituto Qualisa de Gestão (IQG), com especialistas do setor hospitalar do Pará. Os números revelam um paradoxo grave: 86% dos médicos dizem sentir responsabilidade moral de agir, mas 76% admitem não se sentirem aptos a orientar seus pacientes. Há disposição, mas não há ferramentas. É como se tivéssemos um exército pronto para lutar, mas sem armas.
Como falar em protagonismo do Brasil na agenda climática quando ignoramos que as mudanças do clima são, antes de tudo, uma questão de saúde pública? Não se trata apenas de aquecimento global, mas do aumento de doenças respiratórias, do avanço de vetores como dengue e zika, da insegurança alimentar e até de transtornos mentais. Mesmo assim, 62% dos profissionais de saúde ainda veem o clima como um tema “ambiental”, distante da prática clínica.
Essa desconexão é fruto de um sistema de formação que insiste em olhar para trás, em vez de preparar para os desafios do presente. Os currículos acadêmicos continuam alheios ao tema, os treinamentos corporativos não incluem a dimensão climática, e a gestão hospitalar prefere ignorar um problema que já bate à porta. A consequência é que a saúde brasileira se mantém vulnerável diante da maior crise sanitária do século.
Enquanto governos discutem protocolos e metas, quem está na linha de frente não tem tempo, conhecimento ou suporte institucional para agir. A pesquisa mostra: falta de tempo (53%), falta de conhecimento (48%) e falta de apoio (40%) são as barreiras que travam a mudança. Não é falta de vontade, é falta de preparo.
E aqui está o ponto central: não adianta o Brasil receber líderes mundiais na COP30 com discursos sobre sustentabilidade se dentro dos hospitais seguimos incapazes de conectar clima e saúde. A verdadeira mudança começa na educação e na capacitação. Sem isso, seguiremos com o abismo entre consciência e ação.
O mundo nos verá em Belém. E quando as atenções se voltarem para a Amazônia, não poderemos esconder que negligenciamos a nossa própria população. A COP30 é uma oportunidade histórica, mas só fará sentido se aproveitarmos esse holofote para admitir nossas falhas e mudar de rota.
Capacitar médicos e profissionais de saúde não é detalhe técnico: é condição fundamental para garantir resiliência ao sistema e proteger vidas. Sem isso, ficaremos para trás, mais uma vez, assistindo ao futuro chegar despreparados.
*Mara Machado é CEO do IQG.