Manifesto sobre a Cannabis Medicinal
A planta do gênero Cannabis tem sido usada para fins medicinais pelos homens, desde milênios antes de Cristo, em diferentes lugares, épocas, culturas e civilizações. 2.700 a.C, na farmacopeia chinesa mais antiga do mundo, a planta Cannabis é descrita como útil no alívio de mais de 100 doenças. 70 d.C, Pedanius Dioscorides descreve a Cannabis Sativa em sua obra “De materia medica” (uma das mais importantes referências da literatura médica por 1.500 anos), como medicamento analgésico e anti-inflamatório. A primeira publicação do Manual Merck de 1889, indicava Cannabis para tratamento de 62 problemas de saúde.
A descoberta do Sistema Endocanabinoide e dos mecanismos bioquímicos e fisiológicos de atuação dos fitocanabinoides no nosso organismo estão apenas validando práticas culturais históricas e ancestrais.
Por estar envolvido em praticamente todos os nossos processos fisiológicos e patológicos, as aplicações clínico-farmacológicas do Sistema Endocanabinoide são inúmeras. Através do Sistema endocanabinoide e dos fitocanabinoides, podemos contribuir para o tratamento de doenças de pele, Alzheimer, autismo, epilepsia, ansiedade, dor crônica, doença inflamatória intestinal, câncer, dentre muitas outras.
Não é à toa que se estima que a indústria da Cannabis medicinal deve movimentar mais de 60 bilhões de dólares no mundo, em 2024. Estamos diante de um potencial farmacológico altamente disruptivo e de um mercado de projeções bilionárias.
Infelizmente, vieses políticos e mercadológicos envolvidos nesse mercado estão tornando a interpretação legal e científica dessa planta bastante confusa. E nos faz refletir que não são critérios propriamente técnicos que estão norteando o uso medicinal da Cannabis no Brasil e no mundo.
Em meio a um tsunami de informações e interesses comerciais, existem milhares de pacientes que estão usando produtos à base de Cannabis sem a orientação de seu médico assistente. A maioria, portadores de doenças crônicas e incapacitantes, fragilizados por falhas sequenciais nos tratamentos convencionais, obtém produtos de fornecedores ilegais e tentam usar canabinoides de forma empírica, pouco segura e assertiva.
Precisamos entender e nos posicionar frente a essa terapêutica com a seriedade e credibilidade de qualquer outra. Medicamentos à base de Cannabis precisam ser qualificados, testados, padronizados e normatizados. Precisam ser bem indicados, precisamos ter atenção e precisão na dosagem, precisamos estar atentos aos efeitos colaterais e saber manejá-los. Precisamos ter uma estratégica terapêutica e realizar um acompanhamento muito próximo dos pacientes para otimizar resultados.
Mas, precisamos entender também, que medicamentos à base de Cannabis são diferentes. São medicações que apresentam um amplo espectro de atuação e nos permitem tratar a pessoa e não apenas um sintoma. Um paciente epiléptico que faz uso de Cannabis não está apenas prevenindo crises convulsivas, está dormindo melhor, se alimentando melhor, está menos irritado e ansioso, está mais sociável e ocupacionalmente mais produtivo. Uma paciente com Esclerose Múltipla que busca Cannabis para melhora da espasticidade, experimenta também melhoras na qualidade do sono e do humor. Por ser um medicamento de amplo espetro de atuação e melhorar o indivíduo como um todo. É uma excelente ferramenta no nosso arsenal terapêutico, com potencial de impactar profundamente a qualidade de vida dos nossos pacientes.
É nossa responsabilidade nos apropriarmos desse conhecimento e oferecer aos nossos pacientes um tratamento com produtos à base de Cannabis seguro, eficaz e assertivo.
*Patricia Montagner é neurocirurgiã e fundadora da WeCann Academy, comunidade global e centro de estudos em Medicina endocanabinoide.