Do lifespan ao healthspan: como a tecnologia auxilia a viver melhor
Por David Sena
Vive-se mais. E os números da população brasileira comprovam esse fenômeno. Em 1991, a expectativa de vida era de 66,9 anos. Em 2023, houve um salto para 76,4. Esse aumento é resultado de uma série de transformações socioeconômicas e de saúde: melhorias na rede de saneamento básico e aumento das políticas públicas de vacinação, avanços da ciência e da medicina – ampliando diagnósticos e tratamentos para diversas enfermidades –, redução da mortalidade infantil e mais acesso às informações sobre saúde, como hábitos saudáveis de sono, alimentação e de prática de exercícios físicos.
Esse conjunto de mudanças nos trouxe ao que chamamos de lifespan – o tempo de vida. Mas se viver mais é um indicador relevante, a grande tendência da saúde contemporânea é olhar para outro conceito, o healthspan. Trata-se não apenas do tempo que se vive, mas da qualidade desses anos. A demanda da sociedade vai além da longevidade. O que se busca, agora, é uma vida longa, saudável, produtiva e com propósito. Para atender a esse movimento, surgem diariamente soluções voltadas a diagnóstico, tratamento, predição, rastreamento, suplementação e formas de cuidado integradas, que garantem funcionalidade física e mental por mais tempo.
O tamanho desse mercado é gigantesco e com potencial para crescer mais. Segundo o Global Wellness Institute, apenas nos Estados Unidos o segmento de wellness já movimenta US$ 2 trilhões, configurando-se como o maior do mundo. A McKinsey, por sua vez, mostra que 84% das novas gerações de norte-americanos consideram o bem-estar uma prioridade “máxima” ou “importante”. Na China, o percentual chega a 94%. Aqui no Brasil, pesquisa Ipsos realizada por conta do World Mental Health Day 2023 mostrou que 75% das pessoas pensam com frequência no bem-estar mental, e que ele é tão importante quanto o bem-estar físico.
Nesse cenário, despontam quatro macrotendências. Algumas estão diretamente ligadas à tecnologia. Entre elas, o uso crescente de inteligência artificial para análise de exames e detecção precoce de doenças, além dos wearables – dispositivos “vestíveis” que monitoram sono, batimentos cardíacos, pressão arterial e níveis de estresse, gerando dados que podem ser utilizados tanto para acompanhamento pessoal quanto para suporte médico.
Outra frente é a da nutrição, voltada a manter o organismo metabolicamente saudável, prolongando a longevidade. Nesse âmbito, destacam-se suplementos como os que atuam sobre os telômeros, os senolíticos, antioxidantes e a NAD+, coenzima essencial para o bom funcionamento celular. Também crescem as dietas personalizadas, seja pela priorização de alimentos integrais, frutas e vegetais, seja pelo uso de informações genéticas para orientar escolhas alimentares.
O biohacking é mais uma tendência à qual devemos prestar atenção. Trata-se do uso combinado de recursos naturais e tecnológicos para otimizar o funcionamento do corpo. Estratégias como jejum intermitente, crioterapia (exposição ao frio com fins terapêuticos) e fotobiomodulação (uso da luz com finalidade clínica) exemplificam essa prática.
Também ganham relevância as discussões sobre saúde mental e os impactos do uso excessivo de telas, aspectos fundamentais para o equilíbrio humano contemporâneo. Nesse sentido, aparecem alternativas como programas de bem-estar personalizados, retiros de detox digital e até o olhar mais atento das empresas para a saúde emocional dos seus colaboradores.
Hoje, sabemos que é possível viver mais. O grande desafio daqui para frente é garantir a qualidade desses anos adicionais. Juntas, ciência e tecnologia auxiliam nesse processo, contudo, elas não se sustentam sozinhas. É preciso associar políticas públicas de saúde e, principalmente, escolhas individuais para obter sucesso nessa missão. Afinal, longevidade sem qualidade serve apenas para estatística.
*David Sena é Médico cirurgião plástico e sócio da GestãoDS.