Alta dos juros ameaça acesso à saúde e desestimula investimentos
A recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa Selic em 14,75% ao ano reacendeu os alertas sobre os impactos profundos dos juros em setores estratégicos, como o da saúde. Para Renan Aleluia, consultor de gestão focado nas áreas de saúde, tecnologia e finanças, com esse aumento a sustentabilidade e a expansão dos serviços de saúde estão em risco, principalmente entre pequenos e médios prestadores.
A ata da 270ª reunião do Copom, divulgada na última semana, reforça as incertezas do cenário fiscal e inflacionário, ao sinalizar a possibilidade de manter os juros elevados por mais tempo. Embora o Banco Central evite falar em continuidade do ciclo de alta, o tom cauteloso preocupa os empresários do setor de saúde, que veem um efeito direto e imediato sobre a capacidade de investimento e operação.
“É muito perigoso ter juros próximos de 15% ao ano. Nenhum negócio consegue sobreviver por muito tempo assim e os negócios de saúde são ainda mais sensíveis, porque trabalham com margens muito apertadas”, afirma o especialista. Ele explica que o retorno de empreendimentos em saúde dificilmente compete com o rendimento de investimentos conservadores. “Os principais players do setor hospitalar, por exemplo, geram ROIC (Retorno sobre o Capital Investido) de 13% a 15%. No cenário atual, o risco de se operar um negócio de saúde não está sendo remunerado”
Segundo Renan, esse cenário afasta investidores e inibe a inovação. “Isso tira o apetite de quem tem capital para apostar no setor. Se o dinheiro rende sozinho, porque colocá-lo em um setor complexo como a saúde? E sem investimento, não tem crescimento, não tem acesso. A conta chega para todos”.
Além da rentabilidade limitada, o setor de saúde depende de infraestrutura e tecnologia, que exigem altos aportes iniciais, financiamento de longo prazo e boa parte sensível ao dólar. “Para construir um hospital, o gestor precisa de equipamentos de alta tecnologia, espaço físico, obra civil especializada, mobiliário. Tudo isso tem valores milionários, e a maior parte desse investimento é feita com instrumentos de dívida. Com os juros altos, esse financiamento fica insustentável, criando um efeito cascata que é sentido no preço final dos serviços. Ou seja, se o custo para investir está mais alto, o valor cobrado do paciente e dos convênios também sobe. Isso encarece o sistema todo. E quanto mais caro, mais a saúde vira artigo de luxo.”
O cenário é ainda mais desafiador para o gestor que sempre operou alavancado, pois a dívida contraída em julho de 2024 com a Selic a 10,5% ficou quase 50% mais cara. Esse aumento repentino tende a consumir toda sua geração de caixa com pagamento de juros e dívida. Nesse momento é altamente importante contar com apoio do setor financeiro e consultores para garantir a sustentabilidade do negócio.
Por fim, o especialista ressalta que o debate sobre os juros precisa incluir os efeitos na vida real dos brasileiros. “Estamos com uma das maiores taxas de juros da história e ninguém está falando disso com a seriedade que merece. Juros altos empobrecem a população e tiram acesso à saúde privada, fazendo com que mais pessoas busquem o SUS, que já está sobrecarregado”, finaliza.