Descoberta da insulina completa 100 anos e revoluciona a medicina
Por Domingos Malerbi
A Covid-19 provocou um movimento de valorização da ciência bastante marcante. Se for possível nos lembrarmos de março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia, não poderíamos imaginar que hoje teríamos mais de uma dezena de vacinas produzidas, algo inédito, com tecnologia de ponta.
Foi uma resposta rápida para mostrar, novamente, que toda vez que a humanidade é pressionada por uma situação grave como a que estamos vivendo, a criatividade humana acaba demonstrando mais resultado. É o lado bom dessa conscientização a respeito do método da ciência e de como ela se desenvolve e chega a uma solução para resolver um problema.
Assim como as vacinas contra a Covid-19 surpreenderam pela velocidade de desenvolvimento, há 100 anos uma outra descoberta revolucionou a medicina: a insulina, hormônio produzido pelo pâncreas, responsável por controlar os níveis de açúcar no sangue. Considerada o “hormônio da vida”, a substância permitiu o controle do diabetes e mudou a perspectiva de quem recebia o diagnóstico da doença.
Antes dessa descoberta, o tratamento das pessoas com diabetes era baseado em uma dieta rigorosa, restrita em calorias e que poderia ser tão fatal quanto a própria doença. Para as pessoas com diabetes tipo 1, em que o organismo não produz insulina, a morte algumas semanas após a manifestação da doença era uma certeza.
A história da insulina se confunde com o progresso da ciência e rendeu aos cientistas envolvidos com a pesquisa um prêmio Nobel de Medicina. Em 1921, os canadenses Frederick Banting e Charles Best, por meio de experimentos na Universidade de Toronto, no Canadá, conseguiram isolar a substância e foram os primeiros a tratar um paciente com diabetes.
Mas as pesquisas que culminaram na formulação farmacológica da insulina para uso humano começaram bem antes, na segunda metade do século 19, em 1889, quando estudos em cães demonstraram que a retirada do pâncreas causava diabetes e os levava à morte. A confirmação da hipótese veio anos depois, em 1921, quando Banting e Best injetaram extratos pancreáticos de cães saudáveis em cães diabéticos, revertendo o quadro. Os pesquisadores purificaram a insulina e foram os primeiros a tratar um humano com diabetes com sucesso: um adolescente canadense de 14 anos.
A jornada da insulina teve sequência com o desenvolvimento de novas formas farmacológicas que propiciaram maior duração da substância no corpo humano. Também chegou a formas mais purificadas e análogos de insulina sintetizados em laboratórios, que diferem na duração no organismo, na rapidez de ação e que são muito mais úteis para o tratamento do que a própria formulação de insulina humana.
O futuro acena para um aperfeiçoamento cada vez maior e próximo do sonho de consumo de todos os endocrinologistas e pacientes dependentes da substância, que chamamos de “insulina inteligente”, vinculada a uma tecnologia molecular sensível à taxa de glicose no corpo. Essa é provavelmente a próxima etapa de desdobramento e aperfeiçoamento da insulina como agente terapêutico.
Uma esperança a mais para os pacientes que convivem com a rotina de picadas diárias, ainda que com agulhas e seringas extremamente finas, muito diferente do que se tinha há pelo menos 40 anos. Não havia seringas descartáveis, nem agulhas bastante afiadas, nem sistemas de monitoramento de glicose no sangue e, muito menos, os métodos não invasivos que temos hoje de acompanhamento contínuo. As pessoas injetavam insulina de origem animal, escuras e espessas, com seringas de vidro e agulhas grossas que causavam dor. O medo da injeção ficou minimizado com o conforto dos equipamentos que temos hoje.
Seja no desenvolvimento das vacinas ou na descoberta terapêutica com insulina, temos um exemplo de ciência aplicada e esse processo não pode ser apressado. O que vem antes de se chegar a uma nova molécula terapêutica ou a um novo produto, insumo ou equipamento é ciência pura e ela é feita com sangue, suor e lágrimas, com muita experimentação, muitas etapas que acabam não tendo resultado nenhum até chegar ao produto de utilização prática no ser humano.
*Domingos Malerbi é médico endocrinologista e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).