Como os brasileiros contribuíram com a ciência ao longo dos séculos
Por Wataru Ueda
Inovar sempre foi um impulso natural do ser humano. Pode-se também traduzir esse conceito pela noção de “evoluir”. E a área médica é sem dúvidas uma das que mais teve e tem sua realidade alterada constantemente pelo progresso e a inovação. Além de impulsionar a ciência, a medicina também evolui graças a ela e isso pode ser afirmado tanto numa escala global quanto nacional. Há décadas o Brasil tem contribuído com o progresso do campo médico, trazendo à tona incontáveis melhorias científicas e evoluções complexas de métodos e produtos.
Um pouco depois de concluirmos o primeiro ano vivendo no contexto da maior pandemia contemporânea, se faz necessário um olhar retroativo para entender o lugar que o Brasil ocupa nessa história. Ou melhor, de que forma o Brasil pode se orgulhar de contribuir para aumentar a longevidade do ser humano e, claro, melhorar a qualidade de vida. Afinal, a medicina e suas inovações são sobre viver melhor.
Não dá para falar de inovação sem remontar à ideia de tecnologia. Com origem no grego “tékhne” (a forma de realizar objetivos ou técnicas), o termo se deixa fortalecer pelo sufixo “logia”, com o sentido de estudo. Portanto, conclui-se que a tecnologia é um estudo das técnicas. Ou seja, a tecnologia é uma aplicação do conhecimento científico, que lança mão de uma série de métodos para criar inovações ou solucionar problemas.
Os teóricos da inovação ancoram-se na figura do economista austríaco Joseph Schumpeter, do início do século 20, que resumiu a inovação como o aspecto central para fomentar o desenvolvimento econômico. De lá pra cá o conceito foi muito revisto e revisitado. Consolidado em 1990 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado Manual de Oslo entende como inovação “a implementação de um produto ou serviço novo ou significativamente melhorado; ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas”.
Lá vem o Brasil
Uma vez contextualizado o ambiente no qual se escora o conceito de inovação, voltemos à medicina e à ciência. E ao Brasil, claro. Porque é aqui que vivemos e é daqui que muitas vezes vemos compatriotas se enganando ao não valorizar as contribuições históricas da ciência brasileira. Sempre dialogando com a sociedade e na vanguarda de cada período.
Impossível entrar nesse tema sem mencionar imediatamente Carlos Chagas (1879-1934), sanitarista e infectologista de formação, atuou também como bacteriologista, em trabalhos como clínico e pesquisador. Teve participação decisiva na saúde pública brasileira, inicialmente no estudo da malária, que o levou a destacar-se ao descobrir o protozoário Trypanosoma cruzi – cujo nome homenageia seu amigo Oswaldo Cruz, que mencionarei na sequência.
Mais tarde foi o responsável pela descoberta da tripanossomíase americana, mais conhecida como doença de Chagas, transmitida pelo inseto barbeiro e que ataca silenciosamente o coração. Seu legado é tamanho que até hoje permanece como o único cientista na história da medicina a descrever completamente uma doença infecciosa: o patógeno, o vetor (Triatominae), os hospedeiros, as manifestações clínicas e a epidemiologia.
Contemporâneo e amigo de Chagas, Oswaldo Cruz (1872-1917), médico sanitarista que comandou o combate a várias doenças infecciosas na época, como febre amarela, peste bubônica e varíola. Para isso adotou métodos considerados drásticos por outros médicos, como o isolamento dos doentes, a notificação compulsória dos casos positivos, além da captura dos vetores – como mosquitos e ratos, e a desinfecção das moradias em áreas endêmicas. Embasado na ciência, desafiou crenças de sua época, que chegaram a culminar na famosa Revolta da Vacina, em 1904.
Um dos criadores da medicina tropical e da zoologia médica no Brasil, Adolfo Lutz (1855-1940) realizou experimentos para combater o principal agente transmissor da febre amarela, o mosquito aedes aegypti. Estudou medicina na Suíça e cursos de especialização em diversas universidades importantes da Europa, como Londres, Paris e Viena. Por 32 anos foi líder do setor do Instituto Soroterápico Federal (Manguinhos), atual Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Hoje, um dos principais institutos de pesquisa do Brasil, em São Paulo, leva seu nome.
Pioneiro no estudo das toxinas, Vital Brazil (1865-1950) foi um médico, sanitarista e pesquisador que desenvolveu o soro antiofídico para tratamento de mordidas de animais peçonhentos como serpente, escorpião e aranha. Trabalhou no Instituto Bacteriológico do Estado de São Paulo junto a figuras como Oswaldo Cruz e Emílio Ribas em pesquisas para o combate da peste bubônica, do tifo, da varíola e da febre amarela. Foi o fundador do Instituto Butantã, hoje o principal produtor brasileiro de vacinas.
O rigor do trabalho e a disciplina e respaldo destes cientistas dos séculos 19 e 20 permitiu que o Brasil pudesse chegar a uma geração de pesquisadores contemporâneos que pode seguir enchendo o país de orgulho. Entre outros nomes vivos consigo citar os dos neurocientistas Suzana Herculano-Houzel, Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro, da geneticista Mayana Zatz e da imunologista Ester Sabino, que em 2020 decodificou o DNA do novo Coronavírus em dois dias. Além de outras autoridades em suas áreas, que delongariam demais a tarefa de citar todas.
É preciso conhecer a nossa história para valorizar o presente e investir no futuro. Reconhecer a inestimável contribuição à ciência brasileira destes nomes é só um passo pequeno, mas necessário o tempo todo. Estas brilhantes mentes são apenas alguns dos inúmeros acadêmicos que impulsionaram e impulsionam nossa ciência médica adiante. Devemos ter em mente que investir em ciência é o grande caminho e que o potencial para conquistarmos ainda mais é imenso.
*Wataru Ueda é CEO da Magnamed.