FGV e Fiocruz analisam evolução da plataforma InfoDengue
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é, de forma disparada, o país com o maior número de notificações de dengue em 2024. Foram registrados cerca de 7,6 milhões de casos prováveis da doença em todo planeta. Por aqui, os 6,3 milhões de testes monitorados representam mais de 82% da parcela global, o que torna realidade uma ameaça que requer ações severas de combate ao Aedes aegypti.
O mosquito também é o transmissor direto de moléstias como Zika Vírus e Chikungunya. Foi pensando exatamente em divulgar informações relevantes e detalhadas sobre os números da contaminação de tais doenças que pesquisadores da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV EMAp) desenvolveram o InfoDengue, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Implementada em 2015, a iniciativa de FGV EMAp e Fiocruz, é realizada em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, o Observatório de Dengue da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
Origem da plataforma
O InfoDengue monitora dados de dengue, zika vírus e chikungunya em todo o Brasil de forma integrada. A plataforma acessa dados oficiais do governo e transforma essa informação em gráficos, tabelas e números apresentados de forma didática, justamente para facilitar a compreensão do público em relação às doenças.
A iniciativa ganhou uma amplitude nacional com o apoio integral do Ministério da Saúde, a partir de 2021.
Um dos coordenadores do projeto, Flávio Codeço Coelho revela que a ideia de criação do sistema de alertas se iniciou ainda em 2013.
“A proposta original era fazermos o melhor uso possível da informação disponível sobre casos de dengue que todo sistema de saúde coleta. Quando uma pessoa vai a um posto de saúde, e é diagnosticada com dengue, esse posto de saúde, por lei, é obrigado a notificar os dados. Isso vai para um banco de dados e a gente queria retornar uma análise desses dados de maneira contínua para todo mundo saber, incluindo as Secretarias de Saúde e todos os profissionais de saúde que tivessem interesse, e também o público em geral”, conta.
Após uma década desde sua implementação, o pesquisador da FGV EMAp reconhece a evolução do software, que se tornou minuciosamente preciso para qualquer município do país se familiarizar com a situação de foco das doenças.
“Podemos dizer que o InfoDengue é quase como um laboratório virtual de epidemiologia, porque ele extrapola o conceito de um projeto de pesquisa, já que nasceu com bojo de pesquisa, mas se transformou em parte em um serviço gratuito para o governo. Ele é financiado pelo Ministério da Saúde, então há fontes que ajudam a sustentar esse esforço. Trata-se de uma iniciativa sem fins lucrativos para contribuir de volta com a questão da saúde pública”, analisa.
Como funciona o InfoDengue?
São analisados dados epidemiológicos oficiais sobre as doenças. Menções à dengue nas redes sociais também são usadas pelo sistema. O objetivo é indicar as incidências com mais rapidez, tornando mais ágeis as ações de combate à propagação da doença e com uma interação contínua com as secretarias e o próprio Ministério da Saúde.
Os resultados mostrados na plataforma InfoDengue para fazer as projeções do foco de incidência do mosquito em cada cidade do Brasil são provenientes do Ministério da Saúde, que agrega os números dos municípios. E os detalhes são completos, através de relatórios analíticos enviados semanalmente pela equipe de Coelho.
“Essas notificações têm detalhes de onde foram os casos, se são homens ou mulheres, a idade, faixa etária. Não se revela o nome de ninguém, nem o endereço exato, até para se preservar a identidade, mas você acaba sabendo variáveis importantes para fazer uma análise de risco a partir dessa atualização semanal. Então, a cada semana, os gráficos são atualizados e novos relatórios são produzidos”, explica o pesquisador da Escola.
Para simplificar, o Coordenador do InfoDengue esclarece que o Ministério apresenta divisões internas de gestão das principais moléstias no Brasil, entre elas as arboviroses, que são o conjunto de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. A equipe de Coelho, então, recebe dados compilados do Governo Federal e, através de um programa computadorizado de modelagem estatística, transforma-os em gráficos e mapas analíticos semanalmente.
As análises sintéticas que podem ser realizadas a partir daí são inúmeras, como incidência da doença no Brasil, estado ou município, avaliações de risco, gêneros mais suscetíveis às doenças, aspectos climáticos que favorecem a reprodução do mosquito, entre outros fatores. Finalmente, o InfoDengue devolve as informações mais precisas para o Ministério da Saúde.
Apesar de terem sessões próprias, os profissionais de saúde do Governo consultam os relatórios produzidos pelo software da FGV EMAp e Fiocruz e, muitas vezes, demandam análises mais específicas sobre temas pontuais. É a base necessária para executar políticas públicas para as respectivas localidades no Brasil.
A equipe do InfoDengue também conta com uma epidemiologista para fazer a comunicação eficiente com secretarias de saúde estaduais e municipais e com o próprio Ministério da Saúde.
“Isso é uma linha de informação valiosíssima para pequenas cidades. São mais de 5.500 municípios no Brasil e nós continuamos na nossa missão. Mas percebemos que sistemas de capitais, como no Rio de Janeiro, usam centros de inteligência epidemiológica que podem ser considerados filhotes de experiência do InfoDengue. Então, esse é o impacto que o projeto teve ao longo dos últimos anos e vai continuar contribuindo”, projeta.
De acordo com o coordenador, os benefícios da plataforma são incalculáveis, porém o controle das doenças não é um processo simples. Embora existam campanhas de conscientização ao combate espalhadas pelo Brasil, as medidas não são garantia de que o mosquito será eliminado. Primeiramente, porque parte da população de mosquitos tem grandes chances de ser resistente aos inseticidas utilizados com frequência nas regiões onde se hospedam. O segundo fator é que o extermínio dos criadouros do Aedes aegypti é uma missão dificílima de ser cumprida, já que o inseto pode se aproveitar de qualquer brecha para se procriar.
A eficiência do controle é limitada, então Coelho lembra que o trabalho do InfoDengue deve ser acompanhado pelo investimento do município e a conscientização da população em se vacinar corretamente, caso a vacina esteja disponível na sua região e para sua faixa etária.
“O que a gente recomenda é que as cidades invistam na atenção à saúde para que pessoas com dengue tenham menos chances de desenvolver formas graves da doença ou virem a óbito, melhorem os sistemas de diagnóstico para que recebam tratamento e se recuperem o mais rápido possível”, declara o pesquisador da Escola.
Mas e quando o município não apresenta histórico de casos de transmissão?
O pesquisador da FGV EMAp confirma que já testemunhou cidades com ótimo trabalho de conscientização e profissionais de saúde competentes, mas a falta de experiência com a doença, muitas vezes, é o que complica a ação mais rápida por parte das autoridades.
“Um dos grandes desafios em uma cidade que nunca teve dengue e começa a ter casos de uma hora para outra é que os médicos não sabem sequer diagnosticar, porque nunca viram. É preciso, nessa situação, ter uma campanha de dia de treinamento dos profissionais de saúde para identificar rapidamente e como encaminhar. Porque muitas vezes os dados não são visíveis, a incidência continua e não conseguimos frear a transmissão”, relata.
As previsões do InfoDengue, ainda que não sejam suficientes para erradicar as doenças, são elementos valiosos para reduzir a morbidade, ou seja, os danos das moléstias à população.
“A gente tem feito estudos que mostram o avanço da onda dessas doenças para o Sul do Brasil. Com temperaturas mais elevadas na região, que antes praticamente não abrigava casos de dengue, já abrigam populações do mosquito transmissor e a doença vai se instalando por causa das mudanças climáticas. Então, nosso trabalho foi analisado e alertado sobre tal expansão, o que auxiliou os profissionais a agirem com mais prontidão”, exemplifica.
Legado e a evolução do InfoDengue
Para Coelho, a herança do projeto da FGV EMAp e da Fiocruz é gigantesca no que diz respeito à qualidade e à forma de apresentação das informações sobre as doenças. Por ser uma plataforma acessível a qualquer pessoa, até pequenas cidades com limitação de recursos podem se manter atualizadas sobre riscos e montar campanhas eficientes contra o Aedes aegypti.
“A forma como tais dados existiam eram praticamente inacessíveis. O projeto, assim, trouxe uma camada de interpretação, pois apanhamos um ‘caminhão’ de dados, nosso software processa tudo isso, e, então, apresentamos números sintéticos, construímos gráficos, colorimos mapas com escalas de risco, onde tem mais foco de doença, e tudo com uma atualização contínua. Isso envolveria uma equipe enorme para se fazer manualmente. Por isso, uma das contribuições do nosso projeto foi automatizar todo esse processo”, explica.
Além disso, a facilidade de acesso aos dados pelo site oficial do InfoDengue auxilia as autoridades para o planejamento de campanhas de conscientização e/ou erradicação do mosquito em cada localidade.
“Esses resultados analíticos do nosso projeto servem de insumo para as decisões no manejo e no controle dessas doenças, como o planejamento de uma vacinação, que, no caso da dengue, está começando agora. Mas também na questão do controle do mosquito vetor da doença. Tudo isso é formado por dados do nosso projeto. É claro que eles também dispõem de outras fontes de informação próprias, mas o nosso projeto tem sido demandado de forma rotineira pelo Ministério da Saúde”, reporta Coelho.
E quem disse que a coordenação não está trabalhando em expandir os horizontes do projeto? A rede de colaboradores do InfoDengue cresceu exponencialmente e conta agora com a parceria de grupos de pesquisa internacionais que buscam soluções para arboviroses em outros países e organizações da sociedade civil.
E pensando em contribuir de forma mais direta para a diminuição nos casos das arboviroses, principalmente a dengue, os cientistas de FGV EMAp e Fiocruz iniciaram um novo programa de pesquisa visando desenvolver tecnologias inovadoras para a gradual incorporação e evolução do próprio InfoDengue.
O projeto é denominado Mosqlimate pela combinação das palavras ‘mosquito’ e ‘clima’, em inglês, e visa agir no impacto das mudanças climáticas que estão influenciando perigosamente o comportamento dos insetos vetores das arboviroses.
“As mudanças climáticas estão aumentando enormemente a área em que esses mosquitos conseguem sobreviver, porque tradicionalmente eles não conseguiam viver em ambientes de temperaturas mais baixas, mais frios. Agora, com o aquecimento global, você tem a expansão da área de existência desses mosquitos e, portanto, mais focos de doenças. Locais que antes não tinham dengue passam a ter”, justifica Coelho.
Por isso, um dos focos prioritários do projeto são os modelos que a equipe de coordenadores chama de preditivos, ou seja, softwares que têm a capacidade de projetar as tendências para o futuro a curto, médio e longo prazo das doenças trabalhadas. É financiado pela fundação britânica Wellcome Trust, que se concentra em criar condições econômicas para sustentar pesquisas em prol de melhorias da saúde humana e animal.
As informações são disponibilizadas através de uma API, ou seja, uma interface de acesso automatizado que entrega os dados aos usuários e qualquer indivíduo pode coletá-los para fazer suas pesquisas. A FGV EMAp acompanha, assim, modelos de previsões ao longo de períodos em regiões específicas que servem de referência para o Governo.
“Os modelos tentam capturar essa variação com algum sucesso, porque a dinâmica das doenças é bastante complexa, e muitas vezes nos surpreende. Já temos modelos que a gente pode apresentar com previsões. Temos um dashboard especializado chamado ‘Forecast’ que visa mostrar o que vai ocorrer, de fato, no futuro. Esses mapas de previsões, em particular, são muito utilizados para o planejamento do Ministério da Saúde, que vai fazer a alocação dos recursos para o combate à dengue e para a atenção às pessoas que estão com dengue ao longo do Brasil. Eles usam essas projeções para já antecipar os recursos para as regiões de que mais precisam”, explana.
Facilidade em aderir ao projeto
Hoje, todos os estados da federação podem aderir ao sistema InfoDengue. Membros de Secretarias Estaduais de Saúde com interesse em se tornar parceiros do projeto e receber boletins detalhados do seu estado podem acessar a aba ‘Participe’ no site oficial e enviar uma solicitação para [email protected].
Cases de sucesso do InfoDengue
No caso do Paraná, que aderiu ao projeto em 2016, as melhorias para o combate e a conscientização das arboviroses são evidentes. Atualmente, são 399 municípios no estado que podem acompanhar, semanalmente, a situação das doenças em destaque. O sistema classifica cada semana em quatro níveis de atenção, numa escala que inicia no verde e passa por amarelo e laranja até o vermelho.
Emanuelle Gemin Pouzato, chefe da Divisão de Doenças Transmitidas por Vetores da Secretaria da Saúde (Sesa/PR), exalta a parceria de longa data com a disponibilidade da base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) semanalmente e classifica o trabalho da FGV EMAp e Fiocruz como impecável na apresentação dos gráficos produzidos pelo software.
“O InfoDengue tem contribuído na tomada de decisão para antecipar ações nos municípios em alerta de risco para epidemias, tais como: distribuição de insumos, recursos financeiros, capacitações, entre outros. Por ser uma plataforma on-line, de acesso público e gratuito, a capilarização das informações atende a todos os municípios, independentemente do seu porte e do quadro técnico. Os dados são modelados por especialistas altamente qualificados garantindo um serviço de excelência em Saúde Pública. Os recursos gráficos apresentados são de fácil entendimento, sem necessidade de conhecimento avançado em estatística para a sua interpretação”, elogia Emanuelle.
O novo projeto do InfoDengue financiado pelo Reino Unido também pode ser de fundamental importância para a equipe de Coelho fazer previsões antecipadas de fenômenos climáticos extremos, como é o caso do El Niño e seu impacto no cenário global em 2024.
“O InfoDengue também tem contribuído com a elaboração de projeções que levam em consideração fatores climáticos em situações extremas, tais como o El Niño neste ano. Essas projeções nos auxiliaram no planejamento de ações mais direcionadas para áreas de risco e foram corroboradas com os dados apresentados principalmente em áreas não endêmicas, sem histórico de epidemias, sendo possível antecipar estratégias preventivas nessas áreas. Todas as informações são utilizadas para o planejamento de campanhas e capacitações”, completa a médica veterinária e referência na pasta do estado.
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