Seis indicadores que podem mudar a segurança do diagnóstico
Por Wilson Shcolnik e Alex Galoro

A qualidade do diagnóstico laboratorial nunca foi tão decisiva para a segurança do paciente. Cerca de 70% das decisões clínicas dependem de informações contidas em resultados de exames, mas a variabilidade analítica observada entre laboratórios ainda é motivo de preocupação e, em muitos países, a ausência de métricas comuns dificulta comparar desempenho, identificar riscos e melhorar processos. Diante desse cenário, um grupo internacional de especialistas, reunido em Quebec-Canadá pela Federação Internacional de Química Clínica e Medicina Laboratorial (IFCC), em 2024, propôs um painel global mínimo de Indicadores Essenciais de Qualidade – um passo estratégico para harmonizar práticas e reduzir a ocorrência de erros que comprometem desfechos clínicos.
Como integrantes do grupo de trabalho, representando a SBPC/ML, e coautores das recomendações publicadas agora em novembro, vemos esta iniciativa como um marco. O objetivo não é ampliar a burocracia, mas justamente o contrário: possibilitar a implementação e simplificar o monitoramento. Hoje existem mais de 50 indicadores reconhecidos, mas representantes de muitos países consideravam inviável monitorar todos. Agora, o novo consenso aponta seis métricas de alto impacto, aplicáveis à maioria dos laboratórios do mundo, independentemente do porte ou do desenvolvimento tecnológico de cada laboratório ou do sistema de saúde onde estejam inseridos.

Os indicadores selecionados cobrem toda a jornada do exame – antes, durante e depois da análise. Eles incluem: taxas de pedidos ou amostras identificadas de forma incorreta; índice de rejeição de amostras; prevalência de hemólise (um problema comum na coleta que pode afetar resultados); desempenho insatisfatório em programas de proficiência; tempo de liberação de troponina em emergências, dado crítico para pacientes com dor torácica; e proporção de laudos que precisaram ser corrigidos após sua emissão. Cada um deles está diretamente relacionado ao risco de dano ao paciente e à efetividade do cuidado.
Esses dados oferecem mais do que medidas internas: permitem comparar desempenho entre instituições, regiões e países, alimentar políticas públicas e orientar investimentos em segurança diagnóstica. Para países como o Brasil, que já avançaram na incorporação de indicadores, a adoção desse painel essencial favorece a integração com modelos internacionais e fortalece nossa capacidade de contribuir com benchmarks globais.
Outro ponto relevante é a ênfase no valor clínico. Os indicadores escolhidos não se limitam a medir processos; eles refletem desfechos que realmente importam. Um resultado liberado com atraso no pronto-socorro ou um laudo corrigido tardiamente pode mudar totalmente o curso de uma assistência. Da mesma forma, uma amostra rejeitada por erro de coleta exige nova punção, atrasa o diagnóstico e tratamento expondo pacientes a riscos desnecessários.
Ao mesmo tempo, o painel foi desenhado para ser factível. Muitos países ainda não dispõem de sistemas totalmente digitalizados ou de ferramentas automáticas para rastrear todas as etapas pré e pós-analíticas. Por isso, optou-se por métricas que possam ser medidas mesmo em contextos com infraestrutura limitada, sem abrir mão do rigor científico.
Para que esse esforço tenha impacto real, é fundamental que sociedades científicas, gestores e governos incorporem essa agenda. Monitorar continuamente esses indicadores e compartilhar dados – de forma estruturada, comparável e transparente – permitirá construir especificações de qualidade mais robustas. A IFCC propôs a redução na frequência de envio dos dados para três ciclos anuais justamente para facilitar a adesão e ampliar a representatividade internacional.
No futuro próximo, a expansão para outras áreas da medicina laboratorial – como hematologia, microbiologia, medicina transfusional e biologia molecular – deve aprofundar ainda mais a capacidade dos sistemas de saúde de controlar riscos e prevenir danos. O painel essencial é apenas o primeiro degrau.
A segurança diagnóstica é um bem coletivo e exames laboratoriais confiáveis contribuem para melhores desfechos para a assistência. Harmonizar indicadores significa alinhar expectativas, padrões e responsabilidades. Para o paciente, isso se traduz em mais precisão, menos erros e decisões clínicas mais confiáveis. E, para nós, profissionais de laboratório, representa a oportunidade de dar um salto global de qualidade.
*Wilson Shcolnik é médico patologista clínico e diretor de Relações Institucionais da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e Alex Galoro é médico patologista clínico e ex-presidente da SBPC/ML.
