O preço da inadimplência no setor de saúde suplementar

Por Michel Goya

Em 2024, o setor de saúde suplementar brasileiro viveu um paradoxo: enquanto as operadoras de planos de saúde registraram lucros líquidos históricos — R$ 11,1 bilhões no acumulado de janeiro a setembro, segundo a ANS —, fornecedores de dispositivos médicos enfrentam um prejuízo sistêmico crescente. Estima-se que R$ 4,58 bilhões em faturas estejam atualmente represadas, glosadas ou inadimplidas, valor que representa 36% do faturamento das empresas associadas à ABRAIDI (Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde).

Esse dado é alarmante por si só, mas torna-se ainda mais grave ao se observar sua origem: a profunda assimetria estrutural entre os elos da cadeia da saúde. O atual modelo de remuneração, caracterizado por prazos excessivos, glosas arbitrárias e falta de previsibilidade financeira, mantém distribuidores e importadores em posição cronicamente vulnerável.

Um sistema que sangra no elo mais fraco

Os fornecedores de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME) operam com margens cada vez mais apertadas, enquanto enfrentam exigências crescentes em compliance, rastreabilidade e excelência técnica. No entanto, mesmo cumprindo suas obrigações, muitas empresas não conseguem receber em tempo hábil — ou sequer recebem.

Na outra ponta, hospitais e operadoras mantêm políticas de glosas que, frequentemente, carecem de critérios técnicos claros e transparentes. O efeito dominó é inevitável: fornecedores descapitalizados reduzem estoques, atrasam entregas e, em casos extremos, abandonam o mercado. O impacto final recai sobre o paciente, que enfrenta cancelamentos de cirurgias, adiamentos de tratamentos e descontinuidade de cuidados essenciais.

A ineficiência custa caro — para todos

Esse desequilíbrio não se trata apenas de uma questão ética ou contratual, mas de um gargalo econômico com efeitos diretos sobre todo o ecossistema da saúde. A ineficiência logística, a falta de integração entre sistemas e a burocracia analógica se traduzem em atrasos, glosas milionárias e, principalmente, vidas impactadas negativamente.

A ausência de previsibilidade financeira desestimula investimentos em inovação, compromete relações com fornecedores internacionais e dificulta o planejamento estratégico de toda a cadeia. Num setor que exige precisão cirúrgica e alta disponibilidade, operar na incerteza é um risco que o Brasil já não pode mais correr.

Nesse cenário, a tecnologia deve ser o caminho para a eficiência, a adoção de soluções digitais integradas e baseadas em dados surge como uma resposta urgente para reestruturar a cadeia de valor. Plataformas que conectam indústrias, distribuidores e hospitais, promovendo a rastreabilidade completa do ciclo cirúrgico — da solicitação de materiais à emissão da nota fiscal e ao faturamento — demonstram potencial para transformar a dinâmica atual.

Ao oferecer visibilidade operacional em tempo real, essas soluções reduzem incertezas, eliminam retrabalho e otimizam processos de cobrança e faturamento. Na prática, significam menos cancelamentos de cirurgias, fornecedores mais sustentáveis e melhor gestão de recursos nos centros cirúrgicos.

O impulso das healthtechs

Além da modernização logística, a inovação também avança por meio das healthtechs que desenvolvem tecnologias voltadas para interoperabilidade de dados, automação de compras hospitalares e auditorias inteligentes. Startups desse segmento vêm mostrando que a convergência entre tecnologia e gestão é essencial para migrar de um sistema adversarial para um ecossistema de colaboração e eficiência na saúde suplementar.

A digitalização de processos críticos, a transparência na comunicação entre os agentes e o uso de inteligência de dados para a tomada de decisão são pilares fundamentais para promover um ambiente mais equilibrado.

A solução para o atual cenário passa pela construção de relações mais justas e transparentes entre os elos da cadeia de saúde. É necessário revisar modelos de pagamento, adotar políticas de glosas com critérios objetivos e ampliar investimentos em tecnologias de integração. Mais do que uma necessidade contratual, garantir previsibilidade financeira é assegurar que todos os agentes da saúde possam focar naquilo que mais importa: o bem-estar e a segurança do paciente.


*Michel Goya é diretor da Associação Brasileira de Startups de Saúde e Healthtechs (ABSS), CEO da OPME Log e mentor no InovaHC.

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