Institut Pasteur de São Paulo investiga relação entre clima e saúde
As mudanças climáticas já não são apenas uma preocupação ambiental: seus impactos chegam cada vez mais ao setor da saúde. Doenças antes restritas a regiões tropicais começam a se espalhar para áreas temperadas, alterando o mapa global de riscos. Para enfrentar esse desafio, o Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) lidera, no Brasil, um estudo de ponta sobre a relação entre clima e saúde, com foco nas doenças transmitidas por vetores. O projeto integra a iniciativa internacional da Pasteur Network, que reúne mais de 30 institutos em 25 países, e conta com apoio da Rockefeller Foundation e do Institute of Philanthropy de Hong Kong.
Conduzida pelo pesquisador Mauro César Cafundó de Morais, pós-doutor e cientista de dados, a pesquisa atua em quatro grandes eixos: ondas de calor e seus impactos na saúde; efeitos de eventos climáticos extremos; segurança alimentar e hídrica; e, de forma prioritária no Brasil, doenças transmissíveis por vetores sensíveis ao clima. Entre os focos estão as arboviroses já conhecidas da população brasileira — como dengue, zika, chikungunya e febre amarela — e doenças que exigem crescente atenção científica. É o caso da febre do Oropouche e do vírus do Nilo Ocidental, que já teve casos registrados no Ceará e no Piauí, mas ainda não provocou surtos.
“As variáveis climáticas afetam diretamente a sobrevivência e a reprodução dos vetores, ampliando sua capacidade de transmitir doenças”, explica Morais. “O caso da febre amarela é emblemático: apesar da vacina eficaz e disponível, novas áreas do país vêm sendo classificadas como de risco, o que reforça a necessidade de vigilância constante.”
Desafios científicos e colaboração internacional – O estudo enfrenta um dos maiores desafios da ciência de dados aplicada à saúde: harmonizar informações de naturezas e escalas diferentes. Dados climáticos coletados quase em tempo real por satélites da NASA e do programa europeu Copernicus precisam ser integrados a bases nacionais de saúde, como o DataSUS, que operam em outra temporalidade. O IPSP também utiliza plataformas de ciência cidadã, como WikiAves e MapBiomas. Enquanto a primeira ajuda a rastrear aves migratórias — hospedeiras intermediárias de vírus como o do Nilo Ocidental —, o MapBiomas fornece informações sobre cobertura e uso do solo, incluindo desmatamento e queimadas. Esses dados são fundamentais porque a alteração de ecossistemas naturais modifica a distribuição de mosquitos e outros vetores, ampliando o contato com populações humanas e favorecendo a ocorrência de surtos.
“O desafio científico está em conectar escalas distintas de dados de clima e saúde, garantindo qualidade e consistência para que sejam úteis na prática”, afirma o pesquisador. Essa complexidade é trabalhada em colaboração com instituições como o Instituto Butantan, a Fiocruz e centros da Pasteur Network na Ásia e na África. A troca de informações tem revelado semelhanças surpreendentes: no Vietnã, por exemplo, pesquisadores enfrentam problemas semelhantes aos do Brasil no combate à dengue, criando oportunidades de cooperação em escala global.
Do laboratório à saúde pública – Atualmente na fase de coleta e análise de dados, o projeto deve avançar para o desenvolvimento de modelos matemáticos e de aprendizado de máquina capazes de prever surtos com maior precisão. A meta é que esses modelos possam se integrar a sistemas já em operação, como o InfoDengue e o InfoGripe, que geram alertas de risco às secretarias de saúde. “Não existe vacina contra o aquecimento global, mas os dados climáticos podem nos ajudar a antecipar decisões de saúde pública”, ressalta Morais.
O horizonte do estudo vai além da academia: até janeiro de 2027, a expectativa é gerar não apenas artigos científicos, mas também recomendações práticas — os chamados white papers — capazes de subsidiar gestores na formulação de políticas públicas e otimizar o uso dos recursos do SUS diante dos novos desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Saúde única e impacto social – A abordagem do projeto se insere no conceito de One Health (Saúde Única), que integra saúde humana, animal e ambiental. Além das arboviroses, os pesquisadores do IPSP também colaboram em estudos sobre leishmaniose na Amazônia, mostrando como mudanças climáticas, fatores sociais e ecológicos se combinam para ampliar riscos.
“O conhecimento precisa sair da academia e chegar às políticas públicas. Só assim será possível enfrentar os impactos das mudanças climáticas com eficiência e equidade”, afirma Morais.