Quais são as aplicações da inteligência artificial na saúde?

Por Jorge Carvalho

Muito tem se falado sobre a inteligência artificial (IA) e como ela está transformando diversas indústrias, das recomendações de compras no varejo online, concessão de crédito e detecção de fraudes no mercado financeiro à melhoria da produtividade no agronegócio. Nos últimos anos, surgiram centenas de empresas criando tecnologias e soluções para os variados modelos de negócio e aplicações.

Algumas das principais mentes da atualidade têm dito que as transformações geradas pelo uso de IA tem o potencial de gerar o mesmo impacto nas nossas vidas que tiveram a eletricidade ou a internet. Os que acompanharam a chegada do GPT-4 entendem o quanto essa tecnologia irá transformar a nossa era, aumentando a produtividade e criatividade.

Do ponto de vista das organizações de saúde, são três as estratégias para o uso de IA:

Criação de algo novo: novos produtos e serviços, modelos de negócios disruptivos, plataformas e ecossistemas inovadores. Na saúde no Brasil, existem alguns grandes grupos empresariais criando seus próprios ecossistemas, onde o usuário pode navegar, de forma inteligente, por soluções integradas. Por outro lado, empresas estabelecidas tendem a apresentar dificuldade para criar o novo, uma vez que o contemporâneo pode ser uma ameaça aos negócios vigentes. Por isso, é natural que empresas nativas digitais liderem a construção de propostas inovadoras. Muitas das healthtechs no mercado têm usado IA para criar soluções disruptivas. A aproximação de hospitais e operadoras das healthtechs é uma maneira inteligente de inovar e trazer aplicações que aceleram a transformação digital;

Transformação da operação: ganhos de eficiência e eficácia nas estratégias atuais da organização. São diversas as aplicações que hoje estão sendo utilizadas em prol das melhorias operacionais. É possível citar a redução de fraudes nos reembolsos, regulação de prestadores por um plano de saúde ou maior inteligência no ciclo da receita de um prestador. Existe um espaço enorme para trazer a ciência de dados nas organizações de saúde e torná-las mais eficientes;

Influência no comportamento do usuário: trabalhar a mudança do comportamento de um usuário, seja ele de dentro ou fora da organização, tem sido um caso de uso de IA muito poderoso. Parte relevante da nossa saúde depende do nosso próprio comportamento — ajudar as pessoas a tomar melhores decisões nas suas vidas pode ser transformacional. Seja com um alerta para levantar-se da cadeira, melhoria na adesão a algum medicamento ou até mesmo a informação a respeito de um indicador-chave de saúde que pode estar fora do padrão, o uso de IA para mudança de comportamento está no cerne da estratégia das maiores empresas de tecnologia do mundo. O profissional de saúde equipado com inteligência de dados será muito mais poderoso no auxílio às pessoas para que tomem melhores decisões.

Apesar do glamour em torno da criação de inovações disruptivas, é na melhoria incremental que a IA está causando o maior impacto nas empresas estabelecidas (as que não nasceram digitais). O estudo feito pelo professor Thomas Davenport, da Universidade de Babson, nos Estados Unidos, mostra que o uso de IA nas organizações tem apresentado foco principal em transformar processos de negócio, os tornando mais eficientes, melhorando a tomada de decisão e gerando melhorias e diferenciações nos produtos e serviços já existentes. No mesmo estudo, foram identificados os três principais desafios para o uso de IA: a capacidade de implementação, a integração com papéis e funções na organização e as questões envolvendo dados. Os dados são o combustível de uma organização acelerada por IA. Para participar desse jogo, toda instituição deve buscar, coletar, integrar, organizar, guardar e tornar esses dados acessíveis às diferentes áreas de negócio.

É importante entender que o imperativo para a criação de vantagem competitiva na nova era é buscar por dados proprietários, que nenhuma outra organização possui. Esse é um ponto crítico e que deve estar no centro da estratégia das organizações que desejam liderar suas indústrias.

Como em toda grande transformação, a visão holística, mudanças nos processos e capacitação das pessoas também devem ser levados em conta nas estratégias. A transformação digital passa pela mudança na cultura e capacitação das pessoas para esse novo cenário. O mercado de saúde é um dos que mais irão se beneficiar do uso de inteligência de dados, afinal, os dados de saúde representam 1/3 de todos os dados gerados no mundo. Para que isso aconteça, os projetos de transformação digital, que englobam a digitalização de processos e migração para a nuvem, precisam avançar rápido. Uma pesquisa recente realizada pela Consultoria Folks, avaliando a maturidade digital nos hospitais brasileiros, mostrou que 70% das organizações não oferecem capacitação em Saúde Digital aos colaboradores. As empresas que souberem fazer os investimentos corretos serão as primeiras a colher os ganhos dessa nova era.

Mas, afinal, quais são as aplicações e casos de uso de IA que estão gerando valor de fato no mercado de saúde?

Melhoria na experiência do cuidado: gerar conveniência e personalização ao atendimento ao mesmo tempo que ganha escala e melhoria na eficiência operacional do serviço. Houve uma grande proliferação de digitalização da jornada do paciente em diversos prestadores. A criação de linhas de cuidado por condição de saúde é um exemplo de como a busca é por maior integração e fluidez do cuidado. Diversas healthtechs têm atuado nessa área para resolver problemas específicos de saúde, como diabetes e saúde mental.

Gestão hospitalar: o hospital moderno é um complexo sistema de parques tecnológicos, insumos e pessoas — o uso de IA está transformando a maneira com a qual esse importante ator do sistema de saúde se comporta. A construção de robustos Command Centers fornece controle a toda a operação, trazendo insights operacionais já presentes nos principais hospitais brasileiros. A busca por redução de desperdícios e ineficiências pode ser muito acelerada com o uso inteligente de dados.

Otimização e eficiência do ciclo de receita de prestadores: é histórica a relação conflituosa entre prestadores de serviços e operadoras de saúde. Hoje, um hospital recebe pelo procedimento realizado em cerca de 90 dias e ainda precisa discutir itens glosados da conta — a média de glosa no setor de saúde é de 7%. Já existem empresas trabalhando para automatizar esse processo com o uso de RPA (Robot Process Automation) e aprendizado de máquina, o que auxilia muito os times de faturamento.

Medicina de precisão e saúde personalizada: a recomendação de tratamentos baseados em aprendizado de máquina, usando dados genéticos, dados metabólicos e outros fatores, é chave para a medicina de precisão, que já tem sido aplicada ao tratamento de câncer em casos específicos. Aqui, estamos novamente falando de uma área onde a humanidade será muito beneficiada e na qual devemos ter muitas aplicações surgindo ao longo dos próximos anos.

Transformação do engajamento: a não adesão ao tratamento, seja ele um medicamento ou uma mudança necessária de comportamento, é um dos principais problemas que estão sendo atacados pela IA. Da mesma maneira que o varejo e as mídias sociais aprenderam a nos direcionar a realizar algo, agora, na saúde, através de sensores vestíveis e aplicativos inteligentes, somos influenciados a comportamentos adequados em relação à nossa saúde.

Diagnóstico assistido por computador: o profissional de saúde está sendo equipado com a IA como ferramenta de auxílio ao diagnóstico de doenças. Hoje, ainda vemos pouca utilização — as mais prevalentes sendo no uso de reconhecimento de imagem e aprendizado profundo. Observaremos muitas áreas sendo impactadas por essas aplicações no futuro.

Existem, ainda, uma variedade enorme do uso de IA sendo testada em laboratórios de pesquisa e que deverão trazer ganhos no futuro próximo, como descoberta de biomarcadores, biologia sintética, patologia digital e muitas outras.

Com o crescente protagonismo da ciência de dados nas organizações de saúde, o sonho de um sistema mais equânime e sustentável ganha nova perspectiva. A questão não é se a Inteligência Artificial irá transformar o mercado de saúde, mas quando.


*Jorge Carvalho é Head of Health na Semantix.

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