IA transforma o diagnóstico de doenças cardiovasculares
Por Heron Rached
A medicina é uma área em constante evolução, e ao longo das últimas três décadas, tenho testemunhado avanços notáveis na área da cardiologia. No entanto, nenhum desses avanços têm sido tão transformadores quanto o uso da inteligência artificial (IA) no diagnóstico e tratamento de doenças cardiovasculares. A IA tem se tornado uma ferramenta vital e poderosa para os profissionais da saúde, melhorando a precisão do diagnóstico e ajudando em condutas mais assertivas.
O crescimento exponencial da tecnologia
A minha jornada como cardiologista começou em um período em que a tecnologia médica estava apenas começando a alçar voos mais altos. Naquela época, contávamos com a experiência clínicas somadas a métodos tradicionais de diagnóstico, como eletrocardiogramas, ultrassons, cateterismo cardíaco e alguns poucos exames laboratoriais, para avaliar a saúde do coração dos nossos pacientes. Esses métodos, embora valiosos, eram limitados por depender da experiência do médico e, por vezes, pela subjetividade dos resultados.
Nos últimos vinte anos, criaram-se bancos de dados e a partir deles, foram criados algoritmos que levaram a IA. Os avanços na computação, no aprendizado de máquina (machine learning) e na capacidade de processamento de dados tornaram possíveis as análises de grandes volumes de informações de forma rápida e precisa. Isso foi a base para a criação da inteligência artificial, gerando algoritmos sofisticados que permitem identificar sutis anomalias no coração que poderiam passar despercebidas pelos métodos tradicionais.
Diagnóstico mais preciso
Uma das principais maneiras pelas quais a IA tem contribuído para a cardiologia é no aprimoramento da precisão do diagnóstico. Hoje, temos algoritmos de IA que podem analisar os diversos métodos de imagens com uma precisão que rivaliza com os melhores especialistas.
Além disso, a IA também tem desempenhado um papel importante na identificação de doenças. Por meio da análise de dados clínicos e genéticos, os algoritmos podem prever com maior precisão quais pacientes têm maior probabilidade de desenvolver os diversos tipos de doenças, permitindo intervenções precoces mais direcionadas.
No ano de 2015, pude participar do desenvolvimento de um projeto que visava a diminuição no número de internações de pacientes portadores de insuficiência cardíaca. Com o auxílio da tecnologia e de banco de dados, construímos uma plataforma que triangulava a comunicação entre médicos, enfermagem, navegadora e pacientes.
Cada um dos envolvidos alimentava a plataforma com dados que pudessem gerar uma escala de risco, quando o risco atingia um determinado patamar, o paciente era convocado a comparecer ativamente em uma consulta, para adequar o tratamento e evitar a passagem pelo pronto socorro. Após dois anos em prática, conseguimos documentar a redução de 95% de casos de internação de alta complexidade e da mortalidade.
Até a metade da década passada a tecnologia não era tão forte quanto é hoje e mesmo assim, conseguimos desenvolver um projeto que nos auxiliou grandemente.
Agilidade e eficiência
Outro benefício significativo da IA na cardiologia é a sua capacidade de acelerar o processo de diagnóstico. Com ela, os resultados começaram a ser gerados em questão de minutos, permitindo que os médicos tomem decisões mais rápidas e eficazes sobre o tratamento.
A inteligência artificial também é uma aliada valiosa na triagem de pacientes. Os algoritmos podem ajudar a identificar quais pacientes têm maior prioridade para consultas e exames adicionais, facilitando que aqueles com maior risco sejam atendidos de maneira mais rápida e eficiente, organizando-os em filas de prioridades.
Treinamento e educação continuada
Como profissional da saúde com mais de 30 anos de experiência, sempre encorajei a educação continuada e a busca constante pelo aprimoramento. A IA não apenas beneficia o diagnóstico, mas também desempenha um papel vital na educação médica.
Hoje, estudantes de medicina e residentes têm acesso a ferramentas de IA que podem ajudá-los a aprender e aperfeiçoar suas habilidades de maneira mais rápida e eficaz. A IA oferece um conjunto de olhos digitais que podem auxiliar na análise de casos clínicos complexos, proporcionando uma valiosa oportunidade de aprendizado.
À medida que abraçamos a IA como uma aliada valiosa, é importante lembrar que ao utilizá-la, você não se isenta de desafios e considerações éticas. A privacidade do paciente, a confidencialidade dos dados e a responsabilidade médica são questões cruciais que devem ser abordadas com cuidado. É nossa responsabilidade garantir que a IA seja usada de maneira ética e responsável, em benefício dos pacientes, evitando que ela se torne prejudicial ao tratamento.
O futuro da cardiologia com a IA
À medida que olho para o futuro da cardiologia, vejo um cenário promissor, onde a IA continuará a desempenhar um papel central na transformação do diagnóstico de doenças cardiovasculares. Com o avanço contínuo da tecnologia e a colaboração entre médicos e especialistas em IA, estou confiante de que seremos capazes de oferecer diagnósticos mais precisos, tratamentos mais eficazes e, o mais importante, melhores resultados para nossos pacientes. Acredito que em pouco tempo, vamos atingir avanços notáveis, que irão marcar a história da cardiologia.
Em conclusão, percebo que a inteligência artificial está transformando o diagnóstico de doenças cardiovasculares de maneiras que nunca poderíamos ter imaginado há algumas décadas. Acredito no potencial da IA para melhorar significativamente a vida dos nossos pacientes e moldar o futuro da medicina cardiovascular.
*Heron Rached é médico e doutor em cardiologia. Realizou residência médica em Cardiologia Clínica pela Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência (1995), especialização em Ecocardiografia pela USP e em Ressonância Magnética Cardiovascular pela HCFMUSP. Estágio em ecocardiografia pela University of Alabama at Birmingham (EUA). Possui doutorarado em ciências médicas pela Universidade de São Paulo.