HIV: número de infectados continua abaixo da meta, mas crescem as infecções sexualmente transmissíveis
Neste mês de Dezembro Vermelho – campanha instituída pela Lei nº 13.504/2017 como uma mobilização na batalha contra o HIV/Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) faz o alerta: apesar da redução das infecções por HIV, há crescimento das infecções por outros tipos de infecções sexualmente transmissíveis, como sífilis, clamídia e gonorreia.
A estimativa, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é que mais de um milhão de ISTs curáveis e não virais ocorram diariamente no planeta em indivíduos com idade entre 15 e 49 anos. Em outubro de 2023, dados divulgados pelo MS mostraram que os casos detectados de sífilis por 100 mil habitantes aumentaram em 23%.
De acordo com Celso Granato, médico infectologista e patologista clínico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), é necessário mais educação e conscientização para diminuir esses percentuais. Um dos motivos para o crescimento das outras ISTs pode ser também o uso de Profilaxia Pré-Exposição (PREP), o medicamento para ser usado antes da exposição ao vírus por pessoas que não adotam o preservativo como método de prevenção.
De acordo com o boletim 2023 da UNAIDS – programa conjunto das Nações Unidas que tem como objetivo liderar e coordenar a resposta global à epidemia de HIV/AIDS, cerca de 39,9 milhões de pessoas no mundo estavam vivendo com HIV em 2023, sendo 1,3 milhão de pessoas infectadas naquele ano. Entre eles, 38,6 milhões tinham 15 anos ou mais; 1,4 milhão tinham menos de 15 anos e 53% de todas as pessoas vivendo com HIV eram mulheres e meninas. Cerca de 5,4 milhões de pessoas não sabiam que estavam vivendo com HIV em 2023. Desde 2010, as novas infecções por HIV por ano diminuíram 39%, de 2,1 milhões para 1,3 milhão em 2023. No entanto, essa redução está muito longe da meta de ficar abaixo de 370 mil até 2025.
As mortes relacionadas à AIDS foram reduzidas em 51% desde 2010. Em 2023, cerca de 630 mil pessoas morreram de doenças relacionadas à AIDS em todo o mundo, comparado a 1,3 milhão em 2010. A meta para 2025 é de menos de 250 mil. E apesar do Brasil apresentar, nos últimos dez anos, queda de 25,5% na mortalidade dessa enfermidade, segundo o governo, cerca de 30 pessoas ainda morrem por conta dessa condição a cada dia no país.
Diante da maior prevalência mediana entre certos grupos de pessoas – 2,3% maior entre mulheres jovens e meninas de 15 a 24 anos na África Oriental e Austral; 7,7% maior entre homens que fazem sexo com homens; 3% maior entre profissionais do sexo; 5% maior entre pessoas que usam drogas injetáveis; 9,2% maior entre pessoas trans; e 1,3% maior entre pessoas privadas de liberdade, a PrEP é uma das formas de prevenção mais recentes do HIV.
O tratamento consiste em tomar determinadas medicações, com prescrição médica, que preparam o organismo a um possível contato com o vírus. Essa profilaxia pode ser feita de duas formas: a diária, que consiste em tomar continuamente os comprimidos, e a sob demanda, que ocorre quando a pessoa toma a PrEP somente numa possibilidade de exposição.
“A PrEP tem enorme importância, mas é para um público muito restrito dentre essa população que corre mais risco, não pode ser banalizada e usada por todo mundo que não quer usar camisinha porque não gosta tanto. A preocupação no momento é que o número de infecções por HIV e outras ISTs – como clamídia, sífilis, gonorreia – aumentou em relação a anos anteriores. Não basta usar um medicamento para evitar a contaminação pelo HIV e se descuidar para outras doenças. As pessoas precisam, primeiramente, eleger o preservativo como melhor método de precaução e não usar apenas em casos muito específicos mesmo, e em segundo, estarem fazendo continuamente o monitoramento por meio de exames. Por meio do SUS, há testagem rápida para HIV, sífilis, hepatites B e C em diversas unidades de saúde”.
Para o médico, é necessário um trabalho de conscientização pelos órgãos de saúde pública. “Eu acho que é muito importante passar a mensagem de que é muito importante a pessoa se proteger de uma forma mais ampla”, finaliza.
Estigmatização do HIV
Quando o vírus surgiu, há mais de 40 anos, e ocorreu epidemias de Aids em diversas nações, muitos homens que faziam sexo com outros homens eram afetados e a percepção era de que o HIV só era contraído por esse grupo. Esse estigma ainda gera efeitos até hoje. De acordo com o Dr. Celso, o risco está na falta de cuidado e proteção na relação sexual e não na orientação sexual.
Assim, muitas pessoas heterossexuais e mulheres, por exemplo, deixam de se prevenir por conta dessa crença. Apesar de representarem um menor número de infecções que os homens, em 2023, dados da UNAIDS apontaram que globalmente, 44% dos novos casos foram de mulheres e meninas de qualquer idade. “O fato de as mulheres estarem se contaminando só pode ser falta de cuidado na prevenção e da disseminação entre pessoas heterossexuais. Então, elas têm que tomar todo cuidado e exigir do parceiro que faça uso de preservativo”, ressalta o infectologista.
“As consequências desses estigmas são piores do que a gente encarar o problema na sua realidade. Hoje em dia, a gente tem tratamentos muito eficazes, e precisamos fazer e estimular as pessoas a seguir o tratamento, tomar os remédios direitinho e fazer a sua prevenção”, alerta o infectologista.
De todas as pessoas diagnosticadas no Brasil, ao longo dos anos, 92% estão em tratamento retroviral, ou seja, usam as medicações que controlam as replicações do vírus, e estão indetectáveis. “Eu diria que você ter essa taxa de tratamento é um tremendo sucesso. Isso foi graças à política que o governo adotou nos anos 1990, de distribuir gratuitamente essas drogas e também a uma maior conscientização”, comenta Granato.
E o que fazer caso houver exposição de risco a HIV e outras ISTs?
De acordo com Granato, os exames de sangue geralmente podem detectar o vírus após duas a três semanas da contaminação. No site do Ministério da Saúde, tem uma série de medidas a serem seguidas em situações de exposição ao HIV e outras ISTs, principalmente em casos de violência sexual. Mas, segundo Celso Granato, não existe um protocolo único, ele deve ser feito caso a caso de acordo com os sintomas.
“Se a pessoa tiver uma ferida, no caso da sífilis, ela pode fazer exame após 5 a 10 dias. Se a pessoa for uma mulher, por exemplo, e ela tiver uma secreção que mudou suas características, aumentou o volume, ficou com cheiro mais forte, ela pode fazer o exame assim que essa mudança de secreção aparecer”, recomenda.
Ele enfatiza ainda que o médico deve estudar e estar preparado para entender as características da sífilis, do HIV, da gonorreia, do herpes. “Isso é uma coisa que tem que estar na cabeça do médico para saber quando pedir os exames, porque, infelizmente, essas situações estão ficando cada vez mais comuns”, esclarece Granato.