Graduação Médica em risco: proliferam cursos irregulares
A regulação para abertura de cursos de medicina ganhou um capítulo vergonhoso e irresponsável no Brasil. Recentemente, foi anunciada abertura de novos cursos de medicina irregulares em oito estados, além do Distrito Federal. Pretendem se estabelecer em grandes capitais brasileiras, como Fortaleza, Salvador e Manaus, e em outras cidades como Rio de Janeiro, Belford Roxo e Maricá, no Estado do Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais. Vai piorar. Cursos foram abertos fora da política educacional consagrada no país e sem respeito às devidas portarias do Ministério da Educação (MEC) e à recente decisão do STF, comprometendo significativamente a qualidade da formação Médica no Brasil, colocando em risco a saúde da população e aumentando custos na saúde. O sistema de saúde não vai aguentar e virá o colapso. A quem interessa isso?
Regulamentar cursos de medicina como estabelecido no Programa Mais Médicos e exigir portarias para seu pleno funcionamento são absolutamente essenciais para garantir a mínima qualidade na formação Médica. Essas medidas protegem a segurança dos pacientes, mantém uniformidade na formação, promovem supervisão e avaliação contínuas, incentivam a responsabilidade social das instituições de ensino e garantem desenvolvimento socioeconômico dos municípios.
Sem supervisão do MEC e sem cumprir as portarias, não há formação de qualidade e, com esses cursos irregulares à solta, a população ficará exposta à saúde de péssima qualidade. É fundamental que esses cursos “aventureiros” de medicina sejam regulamentados pelos órgãos competentes para contribuir com a qualidade na saúde do Brasil. Regulação dos cursos de medicina assegura que as instituições de ensino atendam a padrões mínimos de qualidade em termos de infraestrutura, corpo docente, currículo, recursos educacionais e disponibilidade de campos de prática para adequada formação médica. O MEC tem diretrizes específicas para criação e funcionamento de cursos de medicina, garantindo que todas as instituições sigam normas rigorosas. Por que não são cumpridas por todos?
Criar cursos ao bel prazer da irresponsabilidade, sem portaria, extrapolando vagas sem observância de disponibilidade de leitos públicos, movidos por interesses estritamente comerciais, não combina com boa formação médica. Sem portaria e supervisão contínua do MEC, alunos ficam com falhas em conhecimentos, habilidades e atitudes, que é vital para uniformizar competências entre os Médicos, fundamental para qualidade e segurança no atendimento médico do Brasil.
O MEC avalia periodicamente instituições de ensino, promovendo melhorias dos programas educacionais. Esta supervisão contínua assegura que os cursos se adaptem à inovação, necessidades e demandas da sociedade, promovendo educação médica dentro dos melhores padrões para bem atender às demandas de saúde da população. Normas não cumpridas, possibilita que esses cursos fiquem sem supervisão contínua, sem avaliação e à margem de avanços científicos e tecnológicos.
Cursos de medicina irregulares podem subverter aspectos importantes da responsabilidade social em seus currículos, como saúde pública, medicina preventiva e atenção primária. Deturpa sobremaneira a formação de médicos comprometidos com melhorias na saúde das pessoas, promovendo visão mais ampla, atual e humanista da medicina.
A credibilidade internacional da formação médica do Brasil é outro benefício significativo da regulamentação ao qual esses cursos esdrúxulos não contemplam. Cursos bem regulamentados são mais facilmente aceitos por organismos internacionais, facilitando o intercâmbio de profissionais e reconhecimento de diplomas em outros países. Há tendência de que Médicos formados em escolas não acreditadas no Brasil, não consigam candidatar-se para residência Médica ou trabalhar em alguns países do primeiro mundo.
Além de prejuízos à sociedade e à saúde, esses cursos irregulares ainda fazem outras vítimas: seus alunos. Movidos pelo sonho de tornarem-se médicos, estudantes e pais são ludibriados e prejudicados. Investem vultosos recursos e tempo, sem qualquer garantia de que os alunos receberão ensino de qualidade e muito menos se poderão de fato exercer a profissão. Corre a passos largos a possibilidade de aprovação do “Exame de Ordem” para todos os egressos de Faculdades de Medicina no Brasil, em que somente os aprovados terão registro nos Conselhos Regionais de Medicina, para poderem exercer a profissão.
É atroz e danoso o oportunismo de instituições que disseminam indiscriminadamente cursos irregulares de medicina pelo país, comprometendo a formação de qualidade e retrocedendo no que temos conquistado em termos de saúde. Devemos formar Médicos em número necessário e sempre com qualidade. A justiça deve agir com extremo rigor e ser criteriosa no sentido de exigir cumprimento das leis e normas vigentes, evitando proliferação de propostas descabidas, para mantermos bom padrão de qualidade na educação médica.
Saúde é nosso bem maior. Lutemos por ela.
*Florentino Cardoso é Cirurgião Oncológico (RQE 5934-CE) e Conselheiro Titular do Conselho Federal de Medicina. Graduou-se pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fez Residência Médica em Cirurgia Geral (Hospital de Ipanema-RJ) e Cirurgia Oncológica (INCA-RJ). É mestre em Cirurgia pela UFC, possui formação em Economia da Saúde e Capacitação Gerencial de Dirigentes Hospitalares. Foi superintendente dos hospitais universitários da UFC (2010-2014) e diretor geral do Hospital Geral de Fortaleza (2003-2006). Presidente da Associação Médica Brasileira por dois mandatos (2011-2017) e da Confederação Médica Ibero-Latino-Americana e do Caribe (2018).