Genética e estilo de vida: até onde podemos prever nossa saúde?

Por Rodrigo Matheucci

A integração da genética com o estilo de vida na medicina preventiva tem ganhado destaque nos últimos anos, oferecendo uma abordagem personalizada para a saúde. O avanço das tecnologias de sequenciamento genético permitiu que informações antes acessíveis apenas em contextos médicos especializados fossem disponibilizadas ao consumidor final, abrindo um novo campo na interseção entre genética, nutrição, esportes e prevenção de doenças. No entanto, é crucial analisar criticamente a eficácia, a aplicabilidade e as implicações desses testes no contexto brasileiro, considerando tanto os avanços científicos quanto as limitações inerentes a essa abordagem.

Estudos internacionais indicam que a combinação de informações genéticas com dados de estilo de vida pode aprimorar a precisão na previsão de riscos de doenças. Uma pesquisa publicada na Nature Communications demonstrou que a utilização de escores de risco poligênico (PRS) pode identificar indivíduos com risco elevado para condições como câncer de mama, diabetes tipo 2 e hipertensão, permitindo intervenções mais precoces e direcionadas.

A literatura médica sugere que, embora a predisposição genética seja um fator relevante, sua interação com fatores ambientais e comportamentais têm papel central no desenvolvimento de doenças complexas. Um estudo do American Journal of Clinical Nutrition destaca que mesmo indivíduos com variantes genéticas associadas à obesidade podem mitigar esses efeitos por meio de intervenções nutricionais personalizadas e prática regular de exercícios.

No Brasil, a colaboração entre a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e pesquisadores internacionais evidenciou que a testagem genética populacional para mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 pode prevenir milhares de casos de câncer de mama e ovário, além de gerar economia significativa para o sistema de saúde.

Ainda assim, a aplicabilidade desses testes no cotidiano dos brasileiros depende de fatores como acessibilidade financeira, qualidade dos serviços laboratoriais e capacitação de profissionais de saúde para interpretar os resultados e integrá-los à prática clínica.

Apesar dos avanços, a implementação de testes genéticos de estilo de vida enfrenta desafios técnicos e éticos. A interpretação dos resultados requer profissionais capacitados para integrar dados genéticos com informações sobre hábitos e ambiente. A Sociedade Brasileira de Genética Médica alerta para o risco de uma interpretação superficial dos resultados, que pode levar a decisões inadequadas, como adoção de dietas ou rotinas de exercícios baseadas exclusivamente em predisposições genéticas sem considerar aspectos mais amplos do histórico de saúde do paciente.

Outro desafio significativo está na variabilidade genética da população brasileira. Estudos apontam que populações geneticamente diversas, como a brasileira, apresentam desafios adicionais para a precisão dos testes genéticos, uma vez que a maioria dos bancos de dados utilizados para a formulação de escores de risco poligênico são baseados predominantemente em amostras de populações europeias e norte-americanas. Isso pode comprometer a aplicabilidade de determinados testes em nosso contexto e reforça a necessidade de mais pesquisas locais para calibrar modelos preditivos.

A privacidade e a segurança dos dados genéticos também são preocupações centrais. A legislação brasileira, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), estabelece diretrizes rigorosas para o tratamento de dados pessoais, incluindo informações genéticas. No entanto, o uso comercial desses testes levanta questões sobre a possibilidade de compartilhamento de dados com seguradoras ou empresas farmacêuticas, o que pode ter implicações éticas e legais. É imperativo que as empresas e instituições que oferecem esses testes cumpram essas regulamentações para garantir a confiança e a segurança dos pacientes.

O mercado global de testes genéticos está em expansão. Projeções indicam que o mercado de testes genéticos atingirá US$ 19,66 bilhões em 2024, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 10,81%, alcançando US$ 32,83 bilhões até 2029. Esse crescimento é impulsionado por uma maior conscientização sobre a importância da medicina personalizada, avanços em bioinformática e a redução dos custos do sequenciamento genético.

No Brasil, a adoção de testes genéticos personalizados está em ascensão, impulsionada pelo aumento da conscientização sobre saúde e bem-estar. No entanto, a integração desses testes na prática clínica requer investimentos em infraestrutura, treinamento de profissionais e educação da população sobre os benefícios e limitações desses exames. Além disso, o custo ainda representa uma barreira para ampla adoção, com valores que variam de algumas centenas a milhares de reais, tornando-se inacessível para grande parte da população.

É importante considerar, também, a confiabilidade dos serviços disponíveis no mercado. Um estudo recente do Journal of the American Medical Association (JAMA) demonstrou que há uma variação significativa na precisão e reprodutibilidade dos resultados entre diferentes fornecedores de testes genéticos de consumo, o que reforça a necessidade de regulamentação e certificação desses serviços.

Os testes genéticos de estilo de vida representam uma fronteira promissora na medicina personalizada, oferecendo a possibilidade de intervenções mais precisas e eficazes. No entanto, sua implementação no Brasil demanda uma abordagem cuidadosa, considerando os desafios técnicos, éticos e culturais.

É essencial que profissionais de saúde, pesquisadores e formuladores de políticas públicas colaborem para integrar esses avanços de forma responsável e eficaz, garantindo que os benefícios sejam amplamente acessíveis e que os riscos sejam minimizados. O futuro desses testes dependerá da capacidade de equilibrar inovação, regulamentação e aplicabilidade clínica, de modo a garantir que essa tecnologia se torne uma ferramenta confiável e útil para a saúde da população brasileira.


*Rodrigo Matheucci é CEO do Grupo DNA.

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