Inteligências Generativas na Saúde (GenAIs): fazer mais e melhor
“Estamos morando em uma residência que passa por uma grande reforma, que não tem data marcada para acabar. Marceneiros cruzam a sala, encanadores trocam tubos na cozinha, pedreiros desmancham paredes enquanto outros nivelam pisos pelos corredores, pintores conversam alto, telhadistas montam andaimes, e nós, vivendo e trabalhando no meio dessa confusão, misturamos projetos com realidade, criando aspirações repletas de incerteza. Desconfiamos que o resultado final será bom e progressista, mas estamos convivendo com a inovação generativa no meio dela, dentro do seu desenrolar, sem chance de desistir ou mandar parar tudo”.
Essa é a genealogia metafórica das Inteligências Generativas Artificiais (GenAIs) em nossa vida, em nosso mundo, em nosso ecossistema social e profissional. Fomos pegos de surpresa. Um belo dia alguém gritou: “Atenção, vamos ter que reformar tudo! Vamos construir um novo mundo…” E assim, como numa reforma domiciliar relâmpago, estamos tentando nos adaptar ao barulho, poeira, transfiguração ambiental, opinadores, influenciadores, arquitetos, sem falar nos poucos recursos financeiros que dispomos para a velocidade exigida. Acordamos disruptados. Analogamente, fomos convocados a “parir um feto em 5 meses”, ou “cursar Medicina em um ano”, ou mesmo “treinar em poucos dias milhões de pessoas no sistema Braille”. O tempo cronológico não é mais o mesmo da relojoaria: aceleramos o devir.
Na área de Saúde, se percebe um misto de enorme euforia asfixiada por colossais níveis de ambiguidade. Enquanto vislumbramos as GeniAIs como o “santo graal” para resolver inúmeras inconsistências dentro das cadeias de saúde, o paciente já aprende e utiliza esse ‘braille’ mais rápido do que os players do setor. Novos modelos, práticas, sistemas e obstáculos irrompem todos os dias na vida de cada profissional de saúde, de cada liderança setorial e de cada provedor de insumos, máquinas e serviços.
A disruptura rompe o tecido da realidade como a conhecemos, desafiando as noções fundamentais de espaço, tempo e causalidade. Ela cria fissuras na estrutura do ser, que podem e devem ser aproveitadas para as reformas. O novo e o inédito surgem dessas fissuras, reconfigurando a essência do que é real. Sabemos que fomos “apanhados” pela disruptura quando o familiar se torna estranho, quando o inatingível, considerado impossível de ocorrer, se manifesta factível diante de nós. A disruptura também revela a entropia do sistema. Se no início ela desmonta estabilidades, aos poucos cria catalisadores para a evolução e adaptação. Ela é um prelúdio para a criação.
O Sistema Nacional de Saúde (público e privado) precisa “fazer as coisas diferentes”. Não basta ter aspirações ou ambições novas, é preciso realizar ações singulares e inovadoras. A implantação das tecnologias em GenAI possibilita realizar avanços colossais na cadeia nacional de saúde. Fronteiras restritivas, como interoperabilidade, redes de dados, suporte à decisão clínica (copilot), EHRs e inúmeros outros itens engargalhados há décadas podem ser superados com o apoio de máquinas generativas de IA, ou de qualquer coisa que estas ajudem a criar para desbloquear a inovação na Saúde.
Processos e práticas médicas turbinadas por GenAI criam uma nova cosmologia em saúde. Sua utilização nos leva a uma nova Era Industrial, que não se restringe a “fazer mais”, mas, principalmente, “fazer mais e melhor”. Organizações de Saúde no mundo todo se preparam para a mais radical transição sistêmica da pós-modernidade: desenvolver uma nova estrutura clínico-assistencial facilitada por máquinas de cognição artificial.
A quinta revolução industrial não será determinada por máquinas, algoritmos, devices e plataformas sistêmicas inteligentes, mas sim por mentes, por cérebros de pessoas capazes de juntar a engenharia cognitiva das GenAIs com sua própria engenhosidade e inventividade. O rápido progresso em computação, conectividade e inteligência artificial (IA) – acelerado pela pandemia – antecipou o cronograma de transformações. Sempre desejamos melhorar a Economia da Saúde com ampliação do acesso assistencial, redução de desperdícios, melhoria na atenção básica e modelos de gestão centrados nos usuários do sistema. Será que encontramos algo que ajude o bioma saúde a deslanchar?
Tecnologias habilitadoras definem revoluções industriais (vapor, eletricidade, computação, conectividade digital e IA). Mais uma vez estamos diante de uma revolução tecnológica habilitadora, na qual a eficiência cognitiva define a capacidade de aprender, resolver problemas e criar novos conceitos com os recursos que dispomos. É preciso explorar as GenAIs, entendê-las, utilizá-las, fundir a sua engenharia algorítmica com a nossa e aproveitar sua eficiência para renovar a nossa.
*Guilherme S. Hummel é engenheiro em saúde digital, coordenador científico da 29ª Hospitalar e da Hospitalar Hub e Head Mentor do EMI (eHealth Mentor Institute).