Varejo farmacêutico e regulamentação serão essenciais para a telemedicina
Por Carlos Pappini
O cenário era março de 2020. A pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil e bateu à porta de hospitais, mostrando seus primeiros impactos no sistema de saúde. Com isso, tivemos a promulgação da lei, em caráter emergencial, que perdurava há algum tempo sobre o uso da telemedicina no país. Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 1998, de 2020, que regulamenta a prática da telessaúde e estabelece os parâmetros para o atendimento remoto em todo país. A lei abrange todas as profissões regulamentadas da área da saúde, e caso seja sancionada no congresso, cada conselho federal ficará responsável por fiscalizar o exercício do profissional e a normatização ética das prestações dos serviços de saúde prestados.
O que pudemos acompanhar nestes dois anos é que, com o estímulo ao digital na área da saúde, houve o surgimento e incentivo de várias Healthtech. Segundo o site Startup Scanner, temos hoje cadastrados em seu portal, 397 startups em atuação em 35 categorias de soluções, sendo que quase 20% destas, surgiram apenas nos últimos dois anos. Estimativas sinalizam que cerca de 5% (cinco por cento) de todo o volume de consultas na saúde suplementar nesse período, foi realizado pela telemedicina.
Alguns aprendizados foram extraídos desta experiência, como o índice de desfecho e resolubilidade positiva dentro da própria teleconsulta, que girou em torno de 96% das consultas realizadas, ou seja, apenas 4% dos pacientes necessitaram se dirigir a uma unidade presencial e o conceito híbrido do cuidado à saúde já é uma alternativa sólida na cabeça dos pacientes.
Varejo farmacêutico é novo canal de expansão
A jornada digital é um objetivo estratégico de todas empresas que atuam na área da saúde, incluindo o varejo farmacêutico. Aos moldes de uma arquitetura próxima do que vemos em países onde a saúde é mais privada como os USA e em países com a presença do estado mais forte, como na Europa, a farmácia tem sido vista estrategicamente como um point of care e não apenas como um ponto de comercialização e dispensação de medicamentos. Este movimento da farmácia clínica ganha muito espaço aqui no Brasil e a possibilidade de ampliar os meios de interação e atendimento dos pacientes torna a implantação da telemedicina como uma alternativa real ao portfólio de serviços das farmácias no país, que estrategicamente devem se integrar aos gestores públicos e privados da saúde na jornada clínica do paciente.
Novas aplicações
As soluções da telemedicina podem ir muito além do modelo padrão atual. Hoje já é possível conectarmos três ou mais pessoas, sendo o paciente e os demais profissionais da saúde para se trabalhar no que chamamos de Teleinterconsulta, trazendo a possibilidade de levar médicos especialistas para regiões mais distantes das capitais.
O último sensu do CFM demonstrou que a despeito de estarmos atingindo um número de médicos relevantes por mil habitantes, estes médicos se concentram em municípios acima de 100 mil moradores. Nas regiões mais afastadas, não é raro encontrar pacientes que tenham que se deslocar 300, 400 a 500 km para realizar uma consulta. Imagine podermos conectar o paciente a um médico especialista em uma capital? Suportado por devices de monitoramento e diagnóstico (os famosos IoT’s), estes resultados clínicos são transmitidos em tempo real pela plataforma permitindo maior precisão ao diagnóstico e estadiamento da doença no paciente. Esta solução é ideal para as prefeituras e os estados ampliarem sua capacidade de atendimento da demanda dos pacientes de média e alta complexidade.
O futuro e a nova regulação
Sabemos que a inovação é sempre mais rápida do que a capacidade de regularmos mercados e práticas. Mesmo após dois anos do uso da telemedicina, vimos ainda a insistência de médicos e pacientes em usarem aplicativos de conversa no celular como se fosse uma plataforma, desconsiderando todo o aspecto de segurança dos dados.
Vejamos bem, a telemedicina não veio para substituir o modelo de consultas presenciais, mas sim para ser um complemento na jornada de cuidados e atenção ao paciente, criando uma dinâmica híbrida que otimizará o tempo dos médicos e profissionais da saúde, além do próprio paciente. Podemos afirmar que a telemedicina é a primeira tecnologia embarcada no sistema de saúde que não incrementou custos às contas dos gestores, mas pelo contrário, trouxe a possibilidade de gerar reduções relevantes na atual carga de custos do sistema de saúde.
Cabe a reflexão de buscarmos um marco regulatório olhando pelo vidro da frente e não pelo retrovisor. Bom para o paciente, médicos, gestores públicos e privados e todo o sistema de saúde.
*Carlos Pappini é CEO e cofundador do Conecta Médico.