Formação médica no Brasil vai além da qualidade técnica
Por Manoel Canesin
Entender o nível dos médicos formados no Brasil, principalmente, se considerarmos a grande expansão dos cursos de medicina no País – sendo mais de 370 faculdades de medicina, formando entre 25 e 30 mil médicos por ano, é um passo importante. Mesmo com o aumento de universidades, o Brasil ainda apresenta uma média de 2,8 médicos por mil habitantes – número abaixo de países como Estados Unidos (quase 3) e Itália (cerca de 4). Nas regiões Norte e Nordeste do País, a situação é ainda mais crítica, com menos de 1,5 médico por mil habitantes. No entanto, o problema não é somente de quantidade, mas sim, de qualidade.
A qualidade na formação médica se reflete diretamente na assistência à saúde. Um médico mal especializado gera custos imensos para o setor, impactando negativamente no ecossistema de saúde, tanto da rede pública quanto da privada e, assim, comprometendo a vida de milhões de brasileiros. Erros diagnósticos, tratamentos inadequados que impactam na jornada de cuidado e falhas na comunicação podem levar a internações prolongadas, aumento de sequelas e até mortes evitáveis. E, principalmente no sistema público, a falta de preparo de profissionais enfraquece a confiança da população, gera desperdício de recursos e sobrecarrega equipes.
A prova de múltipla escolha — como a criação do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (ENAMED) pelo Ministério da Educação – deve ser reconhecida como um pontapé inicial positivo na avaliação de critérios de habilidades técnicas para uma melhor visão do médico recém-formado, assim como o vestibular para a entrada em uma universidade. Mas, aliado a isso, formar um profissional de saúde é um processo complexo e o caminho deve ser construído de forma urgente, principalmente para alunos egressos para a vida profissional. A real competência de um médico exige avaliação de conhecimentos cognitivos e, também, da capacidade de tomada de decisão, das habilidades práticas, da comunicação interpessoal e da postura ética diante do paciente.
Acima de tudo, devemos lembrar que a medicina é, essencialmente, uma ciência humana. O médico não trata apenas doenças — ele cuida de pessoas. E esse cuidado exige empatia, escuta atenta, sensibilidade cultural e respeito pela dignidade de cada ser humano. Humanizar a formação médica é tão importante quanto dominar a técnica. Inclusive, arrisco dizer que a verdadeira competência de um médico se mede também na maneira como ele acolhe, orienta e conforta seus pacientes, especialmente, nos momentos mais difíceis da vida.
Além da avaliação, é importante fortalecer a formação contínua dos médicos, estimulando programas de educação permanente e o desenvolvimento de competências emocionais e sociais. Com médicos mais sensíveis e humanos, críticos e bem-preparados será possível construir um atendimento de saúde mais eficiente, acolhedor e capaz de atender as necessidades reais da população brasileira.
Por isso, a construção de um sistema de avaliação médica profissional mais robusto e multimodal é indispensável. Um modelo que combine provas escritas, exames práticos de habilidades clínicas, simulações de atendimentos reais, avaliações de comunicação e de tomada de decisões éticas sob pressão.
Se queremos, de fato, formar médicos mais preparados, mais humanos e mais capazes de transformar o sistema de saúde brasileiro como um todo, precisamos investir tanto na técnica quanto na essência da medicina: o cuidado genuíno com o outro e de acolher vidas.
*Manoel Canesin é médico cardiologista, professor, CEO e Sócio Fundador do Paciente 360.