Estudo reduz pela metade os casos avançados de câncer de mama
Pela primeira vez no Brasil, um estudo clínico randomizado com mulheres acima de 40 anos mostrou que é possível reduzir em 50% o número de casos diagnosticados em estágio avançado de câncer de mama. Os dados, ainda preliminares, fazem parte do Projeto Itaberaí, coordenado pelo mastologista Ruffo de Freitas Júnior, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e referência nacional no enfrentamento ao câncer de mama na saúde pública.

Realizado no município goiano de Itaberaí, o estudo é o único no país que avalia, com base em evidências robustas, o impacto do exame físico das mamas realizado de forma sistemática por agentes comunitárias de saúde treinadas continuamente. Gerido pela Fundahc com recursos oriundos da Prefeitura de Itaberaí e do Ministério Público de Goiás (MP-GO), o projeto é uma iniciativa do iniciativa do Centro Avançado de Diagnóstico do Câncer de Mama (Cora), do Hospital das Clínicas da UFG, que investiga se essa estratégia pode, de fato, contribuir para antecipar o diagnóstico da doença, reduzir os casos em estágios avançados (3 e 4) e, no longo prazo, diminuir a mortalidade por câncer de mama.
Diagnóstico precoce
Dois dos principais gargalos do SUS no cuidado oncológico são os prazos previstos pelas leis federais nº 12.732/2012 (Lei dos 60 dias) e nº 13.896/2019 (Lei dos 30 dias). Segundo dados apresentados por Ruffo, cerca de 58% das mulheres não iniciam o tratamento dentro dos 60 dias após o diagnóstico, como manda a lei.
“Mas o nosso foco é o tempo anterior ao diagnóstico, que é ainda mais negligenciado”, alerta. Um estudo da Unicamp apontou que, em média, são necessários mais de 300 dias entre o momento em que a mulher sente algo diferente na mama e o início efetivo do tratamento. “Isso é inaceitável. O Projeto Itaberaí tenta justamente atuar nesse intervalo invisível”, diz o pesquisador.
O grande diferencial do projeto, segundo Ruffo, foi a reorganização do fluxo de atendimento e o uso de tecnologias como os aplicativos desenvolvidos para gestão dos atendimentos, que orientam e monitoram o percurso da paciente desde o primeiro sinal até a confirmação do diagnóstico. “Essa reorganização não altera a regulação da rede. Após o diagnóstico, a paciente entra na fila como qualquer outra, ela não fura a fila. O que muda é que chega lá antes. Tem mulheres que, sem o projeto, levariam quase 400 dias para iniciar o tratamento. Com a intervenção, esse tempo caiu para 120 dias”, explica.
Ao contrário da mamografia, que pode detectar nódulos ainda não palpáveis, o exame físico realizado pelas agentes de saúde se concentra em casos já palpáveis, ou seja, de cânceres reais em fase inicial. “Estamos falando de tumores que, em geral, a mulher já sente. Sete em cada dez casos no SUS começam assim, com uma queixa palpável”, destaca o pesquisador.
Treinamento contínuo
O pesquisador destaca que um dos grandes diferenciais do projeto é o investimento em educação continuada. “No início, muitas delas não se sentiam habilitadas, tinham medo de errar. Mas, com o tempo, passaram a realizar o exame com confiança e qualidade”, afirma Ruffo. “Hoje, essas agentes realizam o exame físico com mais competência do que muitos médicos generalistas ou enfermeiros que não lidam com a saúde da mulher diariamente”, afirma.
O resultado é um modelo replicável e de baixo custo. Segundo o coordenador, o projeto custa cerca de R$ 400 mil por ano, valor relativamente pequeno diante do potencial de salvar vidas e reduzir gastos futuros com tratamentos oncológicos mais complexos. No entanto, apesar do sucesso, nenhuma outra cidade brasileira aceitou, até agora, implementar o projeto.
Próximos passos
Para comprovar de forma definitiva a eficácia do modelo, ainda serão necessários mais dois ou três anos de acompanhamento. “Esse é um estudo de 16 anos, e estamos no terceiro ano de projeto. Precisamos de maturidade dos dados”, pondera Ruffo. No entanto, a convicção é crescente. “Temos certeza de que essa é uma estratégia promissora, eficaz, e que pode mudar o paradigma do rastreamento do câncer de mama no Brasil”.
A expectativa é que os resultados finais do Projeto Itaberaí possam subsidiar políticas públicas mais eficazes no rastreamento precoce da doença, especialmente em contextos de alta vulnerabilidade social, onde o acesso à mamografia é mais restrito. “A pergunta agora não é se o projeto funciona, mas por que ainda não o estamos replicando em todo o Brasil. Quantas vidas mais precisaremos perder para adotar o que já sabemos que dá certo?”, conclui o pesquisador.