Nova estratégia terapêutica é testada para controle de condições como a sepse
Estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP descobriu que a inibição da enzima PAD4, envolvida nos processos inflamatórios, pode reduzir os sintomas da covid-19. Os testes, feitos em modelo animal, mostram ainda consequências na resposta imunológica do organismo e apontam para uma possível estratégia terapêutica para o controle de casos graves da doença, com potencial para outras situações em que há resposta inflamatória desregulada. Os resultados, porém, também chamam atenção para os riscos associados à diminuição da chamada resposta imune adaptativa, responsável por reconhecer e combater o vírus em novas exposições.
Conduzida por pesquisadores do Laboratório de Imunorregulação e Doenças (LID) da FMRP, a pesquisa avaliou os efeitos de uma substância que inibe essa enzima PAD4 e verificou que a inibição é comparável à ação da DNase recombinante, droga que degrada estruturas chamadas NETs (armadilhas extracelulares de neutrófilos) que se formam durante as infecções para conter agentes infecciosos. Quando essas NETs se acumulam, podem causar inflamação intensa e danificar os tecidos, especialmente os pulmões.
Segundo Caio Santos Bonilha, responsável pelo estudo, a inibição da PAD4 impede a formação das NETs, o que contribui para reduzir o processo inflamatório. “Entendemos que o efeito clínico observado se deve à redução das NETs no microambiente pulmonar, as quais induzem dano tecidual e, em casos graves, podem levar à insuficiência respiratória”, afirma o pesquisador que atua sob supervisão do professor Fernando Queiroz Cunha do Departamento de Farmacologia da FMRP.
Embora o foco do estudo tenha sido o coronavírus, a PAD4 está envolvida em outras doenças inflamatórias e autoimunes. A inibição dessa enzima pode ser investigada em situações em que a formação excessiva de NETs contribui para o agravamento dos sintomas, como em doenças pulmonares crônicas, sepse ou distúrbios autoimunes.
Melhora clínica com impacto na imunidade
Ao comparar a ação da inibição da PAD4 com a da DNase, os pesquisadores observaram que ambos os tratamentos levaram à melhora dos sintomas clínicos nos animais. No entanto, apenas o inibidor de PAD4 interferiu na imunidade. A substância comprometeu a ativação dos linfócitos T, células fundamentais para a defesa contra o vírus e para a formação de memória imunológica. Esse efeito ocorreu, entre outros motivos, pela redução na apresentação de antígenos pelas células dendríticas e pela diminuição da produção de interleucina-2 (IL-2) pelos próprios linfócitos T, substância essencial para a multiplicação dessas células de defesa.
“Essa descoberta não era esperada e nos levou a investigar mais a fundo. Verificamos que o inibidor da PAD4 afeta a produção de IL-2, citocina fundamental para a expansão dos linfócitos T”, comenta Bonilha. Na prática, embora o medicamento reduza a inflamação, também pode enfraquecer a capacidade do organismo de reagir a novas infecções pelo mesmo vírus.
Caminhos futuros: riscos, possibilidades e precauções
Os autores reconhecem que a utilização do inibidor de PAD4 deve ser cuidadosamente avaliada. Uma das hipóteses discutidas é seu uso em casos graves da covid-19, quando a inflamação descontrolada causa mais prejuízos do que a presença do vírus. No entanto, essa abordagem pode ser inadequada em pacientes com o sistema imunológico comprometido ou quando se deseja estimular uma resposta imune duradoura.
“É razoável supor que a primeira escolha em uma terapia visando às NETs em doenças infecciosas seja com o uso de DNase, por ter efeito similar ao inibidor de PAD4 na neutralização do dano tecidual, mas mantendo a formação de memória imunológica”, afirma o cientista.
Segundo Bonilha, há também a possibilidade de utilizar o inibidor da PAD4 em combinação com outros medicamentos, como agentes que estimulem a imunidade. Estudos semelhantes já são realizados com corticoides, outro tipo de anti-inflamatório que também reduz a resposta imune.
Para ele, o avanço dessa linha de pesquisa depende de novos estudos pré-clínicos, especialmente em modelos de covid longa, além da avaliação de segurança e eficácia da substância antes de qualquer tentativa de aplicação em humanos. Se esses estudos tiverem resultados positivos, os primeiros testes clínicos podem ocorrer nos próximos anos.
Na avaliação do pesquisador, os resultados também reforçam a importância da continuidade dos investimentos em ciência no Brasil. “É fundamental que pesquisas como essa continuem sendo desenvolvidas no País. O Brasil tem pleno potencial para liderar descobertas com impacto global desde que haja valorização contínua da ciência nacional”, conclui Bonilha. (Com informações do Jornal da USP)