Como a má distribuição de especialistas afeta o atendimento em São Paulo
O número de médicos com títulos de especialista está crescendo. Em 2015, eles eram cerca de 228 mil, ou 59% dos profissionais. Em 2018, aproximadamente 282 mil especialistas – ou 62,5% dos médicos. Os dados são das duas últimas edições da pesquisa “Demografia Médica no Brasil”, conduzida pelo departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Desta maneira, a razão de especialista por “generalista” – como a pesquisa define quem não tem nenhum título de especialista – é de 1,67. Uma das conclusões da Demografia Médica é a de que o número de especialistas vem crescendo no País sobretudo em função da expansão de programas e de vagas de residência médica.
No cenário nacional, quatro especialidades representam 38,4% de todos os títulos de especialistas no Brasil: Clínica Médica (11,2%), Pediatria (10,3%), Cirurgia Geral (8,9%) e Ginecologia e Obstetrícia (8%). Partindo para um olhar mais localizado, é possível observar que o Sudeste concentra 153 mil destes especialistas.
Focalizando ainda mais a visão, enxerga- se que cerca de 83 mil registros de especialistas estão no estado de São Paulo, que tem razão de 1,90 médico especializado por generalista. Esses números são de uma população de cerca de 127 mil médicos e de 45 milhões de habitantes.
Os dados fazem deste estado um dos com maior oferta de profissionais por mil habitantes: 2,81. Mas aos especialistas – bem como para médicos em geral – nota-se a distribuição desequilibrada. Em São Paulo, por exemplo, 47,3% dos médicos estão na capital, que tem uma razão de 4,95 médicos por mil habitantes.
“Enquanto há transformações em aspectos demográficos da profissão médica, permanece a desigualdade de distribuição de profissionais no território brasileiro, conforme se vê no estudo, mesmo após os primeiros reflexos do salto quantitativo de médicos devido à abertura de novas escolas na última década. É ainda um grande problema nacional a escassez ou baixa presença de médicos no interior, nos locais de menor densidade populacional, nas áreas suburbanas dos grandes centros e em determinados serviços do SUS”, reforça o coordenador da Demografia Médica e professor do departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, Mário Scheffer, na introdução da Demografia Médica.
Na Demografia Médica Paulista, realizada em 2016, é possível perceber que a distribuição dos especialistas acompanha, comumente, a organização dos médicos no estado, como se verá adiante. O Departamento Regional de Saúde de Registro, por exemplo, tem o menor número de médicos: 245 (0,2% dos profissionais do estado), dentre os quais 53% são especialistas.
Outras regiões que apresentam baixos índices de especialistas: Barretos, Araçatuba, Franca e São João da Boa Vista. Por outro lado, as regiões que mais apresentam especialistas no estado são: Grande São Paulo, Campinas, Taubaté, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Sorocaba.
Principais Especialidades
Buscando entender a distribuição de especialistas em São Paulo, ouvimos representantes das quatro principais áreas supracitadas. Sulim Abramovici, presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), entende que o número de 22,34 pediatras por 100 mil habitantes (conforme dados do Demografia Médica Paulista) é suficiente. “A distribuição, porém, não é adequada. A organização não é racional por uma série de motivos, mas os pediatras concentram-se em áreas que proporcionam melhores condições de trabalho e recompensa financeira”, completa.
Para Ramiro Colleoni Neto, mestre do Colégio Brasileiro de Cirurgiões – Capítulo São Paulo (CBC/SP), a distribuição de 18,04 cirurgiões por 100 mil paulistas é proporcional aos recursos disponíveis, tanto no sistema público, quanto no privado. Conforme explicou, a especialidade depende diretamente de uma estrutura hospitalar. “Se não há infraestrutura, suporte de anestesiologistas etc., você fica limitado.”
“Fora disso, o cirurgião pode atender os casos e encaminhá-los. E não é todo município que tem essa estrutura. No interior, principalmente considerando o Sistema Único de Saúde, depende-se muito das Santas Casas e não é toda cidade que tem. Então, há regiões com carência, como a do Vale do Ribeira”, explica o cirurgião.
Rossana Pulcinelli Vieira Francisco, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), por sua vez, acredita que o número de gineco-obstetras não é pequeno, mas a distribuição no estado é muito diferente. “Temos concentração maior nas áreas metropolitanas e nas grandes cidades. Observamos isso vendo os Departamentos Regionais de Saúde. Essa irregularidade acompanha o que acontece nas outras especialidades também”, diz.
A cifra a qual se refere Rossana é a de 17,61 ginecologistas e obstetras por 100 mil habitantes em São Paulo. É uma preocupação da Sogesp que a distribuição seja irregular e sem presença em todas os locais. Precisamos de investimentos nas regiões menos favorecidas. Tomando cuidando sempre para não haver substituição de profissionais”, aponta a presidente da Sogesp.
Já Abrão Cury, conselheiro da Regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM/SP), destaca ser importante entendermos que há uma demanda por um número maior de médicos que sejam clínicos e não tão especializados. “Até porque mais de 80% dos problemas que os pacientes apresentam podem ser resolvidos quando o médico tem boa formação clínica. Então, precisamos intensificar a formação de clínicos em São Paulo – e também em outras regiões – buscando formar médicos com condições melhores de atuação em diversas áreas da Medicina, para atender adequadamente pacientes que podem prescindir de um superespecialista”, avalia.
Hoje, no estado de São Paulo, são 20,5 clínicos para cada 100 mil habitantes. A SBCM/SP, como explicou Cury, tem se esforçado em municiar os médicos que exercem a Clínica Médica com eventos, cursos, congressos e simpósios, os atualizando com o que há de mais moderno em diagnóstico e terapêutica clínica. “Esse trabalho tem sido coroado com êxito em razão do aumento, que temos detectados na graduação, de estudantes que estão procurando ao fim do curso fazer essa residência”, completa.
Propostas de melhoria
Na tentativa de resolver lacunas em regiões com poucos profissionais, há muito tempo as entidades batalham por uma carreira médica, com educação continuada e condições de trabalho. Esse é o entendimento de Abramovici, que também aponta a preocupação com a falta de renovação dos pediatras, cuja média de idade em São Paulo é de 48 anos. “Quando a especialidade não é reconhecida e valorizada, existe redução de procura.”
E o presidente da SPSP propõe soluções: “A realidade contrasta com a expectativa dos pediatras. Os honorários médicos, que eram tratados diretamente, são decididos por empresas intermediárias de serviços. É preciso resgatar a autonomia do pediatra, preservando a boa qualidade da assistência prestada, além de remunerar adequadamente e incentivar sua presença em regiões mais distantes”.
O presidente da SBCM/SP, por outro lado, entende que a presença de clínicos em áreas com falta de especialistas poderia baratear os custos da Saúde no geral. Por outro lado, observa que nos grandes centros as pessoas têm vivido mais por diversas razões, ficando mais doentes por consequência, o que pode levar a uma concentração de profissionais nessas regiões.
Para Rossana, é necessário um apoio maior para que os médicos se fixem em locais mais remotos. “Fizemos na Sogesp uma pesquisa há alguns anos e observamos que há no estado de São Paulo locais em que não há plantão presencial de obstetrícia. Vários hospitais com apenas um plantonista a distância. As condições não são adequadas e, por conta disso, as pessoas vão se afastando dos centros que mais têm necessidade. Você forma mais médicos, mas não garante que a distribuição vai melhorar.”
Por fim, Colleoni Neto reitera que os cirurgiões tendem a se fixar em locais em que podem ter atuação qualificada e acesso à atualização. “Outra coisa que ele considera é a condição de vida que a família do médico terá nos âmbitos de saúde, educação e segurança. Isso condiciona a fixação dos profissionais especializados em áreas de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais desenvolvido.”