Radiologia foi responsável por 12,8% das reclamações de erros de diagnóstico
Equipamentos de imagem mal calibrados e erros na interpretação das imagens podem prejudicar significativamente os resultados dos exames de pacientes. Esses problemas podem levar a diagnósticos imprecisos, atrasos no tratamento e até mesmo a danos à saúde dos pacientes. Portanto, é fundamental garantir que os equipamentos estejam adequadamente calibrados e que os profissionais responsáveis pela interpretação das imagens sejam devidamente capacitados e sigam protocolos rigorosos. São ações essenciais para garantir a qualidade e a precisão dos resultados dos exames, contribuindo assim para a segurança e o bem-estar dos pacientes.
Um estudo recente, conduzido pelo médico Andrew Rosenkrantz e sua equipe da NYU Langone Health, publicado no Journal of the American College of Radiology, em maio de 2021, revelou que a radiologia foi responsável por 3,9% de todas as reclamações de negligência médica e por 12,8% das reclamações relacionadas aos erros de diagnóstico. Entre essas reclamações, as imagens oncológicas representam 44% dos casos de negligência, destacando a importância crítica da precisão nessa área.
Durante uma década, os pesquisadores investigaram a prevalência de erros relacionados à oncologia na radiologia diagnóstica com base em dados do Sistema de Benchmarking Comparativo da Controlled Risk Insurance Company, que abrange cerca de 30% das reclamações de saúde nos Estados Unidos. Em 2023, por exemplo, foram realizados nos EUA aproximadamente 80 milhões de exames de tomografia e 30 milhões de ressonâncias magnéticas.
Do total de alegações de possíveis erros de diagnósticos relacionados às doenças oncológicas, analisadas pelo estudo, a de maior prevalência se refere à mamografia. “Em parte, este resultado é esperado, pois esta modalidade diagnóstica depende do correto posicionamento e apresenta diversas limitações tecnológicas quanto a detecção de lesões de baixo contraste”, ressalta o físico especialista em diagnóstico por imagens, Renato Dimenstein. O estudo também indica erros quanto aos exames de ressonância magnética e tomografia, “entretanto, acredito que a maior parte desses relatos não deve ser associado aos médicos radiologistas na interpretação dos laudos, mas à aquisição inapropriada de imagens”, pontua Dimenstein.
As análises desse estudo apontaram que a mamografia é a modalidade diagnóstica mais frequentemente associada às alegações de diagnóstico de câncer. “Isso se deve, em parte, às limitações tecnológicas inerentes à detecção de lesões de baixo contraste nesse tipo de exame. Além disso, foram identificados erros em exames de ressonância magnética e tomografia, sendo que muitas falhas estavam relacionadas à aquisição inadequada de imagens, ao invés de imprecisões na interpretação dos laudos pelos médicos radiologistas”, esclarece o físico.
No Brasil, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, existem aproximadamente 120 mil equipamentos médicos. “No entanto, a maioria são de gerações obsoletas, o que pode comprometer a precisão dos diagnósticos por imagem, especialmente no que diz respeito a neoplasias”, explica Dimenstein.
Apesar das rígidas regras de controle de qualidade preconizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para os equipamentos de diagnóstico por imagem, muitos deles apresentam desempenho inadequado, prejudicando a qualidade dos resultados dos exames e, consequentemente, a saúde dos pacientes. “A ausência de equipamentos adequadamente calibrados pode resultar em falhas no diagnóstico, levando a tratamentos inadequados e aumentando os custos tanto para o sistema de saúde público quanto para o privado”, alerta Renato.
Para Dimenstein, “as seguradoras de saúde desempenham um papel fundamental nesse processo. Elas têm a oportunidade de incentivar de forma sistemática os serviços de diagnóstico por imagem a buscarem certificações de qualidade reconhecidas por instituições nacionais – como a ONA (Organização Nacional de Acreditação) – e outras internacionais. Essa medida garante aos pacientes a tranquilidade de realizar seus exames em centros de referência que atendem aos mais altos padrões de qualidade”.
Entretanto, para garantir a eficiência na prestação do serviço, na visão do especialista, as agências de acreditação devem assegurar que as clínicas e hospitais atendam a indicadores satisfatórios de qualidade. “Isso inclui verificar se os equipamentos estão adequadamente mantidos, se os profissionais estão recebendo treinamento adequado, se os laudos gerados em monitores com resolução adequada, se são implementadas medidas para garantir a segurança dos pacientes e se os registros são devidamente rastreados, entre outros critérios essenciais”, ressalta.
Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas é acreditado pela ONA
Um exemplo de sucesso nesse sentido é o Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas, que recebeu a certificação nível 3 em 2017. “Antes do processo de acreditação, não tínhamos a maioria dos nossos processos padronizados e descritos, o que era crítico principalmente por sermos um hospital escola. Outro ponto frágil, estava relacionado ao fluxo de comunicação dos achados críticos nos exames de imagem”, lembra o diretor clínico do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas, doutor Márcio Sawamura.
Atualmente, o hospital dispõe de documentos detalhados para as rotinas/procedimentos, a fim de evitar interpretações equivocadas. “Em relação aos achados críticos, elaboramos documentos específicos que descrevem quais são essas evidências em cada modalidade de diagnóstico por imagem. Além disso, foram introduzidas melhorias para agilizar e garantir a efetividade de comunicação. Agora, os médicos radiologistas registram essas descobertas diretamente no sistema, e um alerta automático “pop-up” é gerado no prontuário do paciente. Esses protocolos e procedimentos foram cruciais para aumentar a segurança dos pacientes”, comenta Sawamura.
Para a coordenadora de Gestão da Qualidade do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas, Juliana Vecchia, além de proporcionar um serviço de maior qualidade e precisão, a certificação pela ONA resultou em melhorias significativas na qualidade do atendimento. “Ela também incentivou o desenvolvimento de uma cultura organizacional focada na melhoria contínua e na segurança do paciente, além de promover uma gestão financeira mais sustentável, com uma utilização mais eficiente dos recursos disponíveis”.
Acreditação x sustentabilidade
“São diversas as economias que a certificação pode trazer para a instituição acreditada”, observa Péricles Góes da Cruz, superintendente Técnico da ONA. “Não há dúvidas de que quando a segurança do paciente é priorizada e os protocolos são criteriosamente seguidos, ocorre uma redução significativa na repetição de trabalho, no desperdício e nos possíveis processos judiciais. Isso, por sua vez, contribui diretamente para a sustentabilidade financeira da instituição”, destaca.
Quando devo acionar juridicamente uma instituição por falhas de imagens e erros médicos na interpretação?
Conforme aponta Silvio Guidi, advogado especializado em saúde e sócio da SPLAW Advogados, é essencial realizar uma análise caso a caso. “A decisão de pacientes e familiares de investigar a situação requer muita cautela. É fundamental compreender se houve algum erro na execução dos serviços de imagem ou na interpretação da equipe de saúde. Nesse contexto, os conselhos profissionais de saúde desempenham um papel importante. Embora o Judiciário possa ser acionado para este controle, a análise técnica será conduzida por um perito judicial”, esclarece o advogado.
Partindo da premissa de que ocorreu um erro, é importante destacar que as condutas danosas podem resultar em consequências em diversas esferas. “A mais conhecida é a responsabilidade civil, que pode recair tanto sobre a instituição prestadora de serviços de saúde quanto sobre os profissionais responsáveis pela assistência. Essa responsabilização encontra respaldo no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. No entanto, as repercussões pessoais são mais comumente abordadas nos Códigos de Ética Profissionais e no Código Penal, referentes às responsabilidades ética e criminal, respectivamente”, alerta Silvio Guidi.
“Entretanto, quando não há certeza da falha, é importante que a família esteja ciente de alguns fatores primordiais”, enfatiza Guidi. “Muitas vezes, ao buscar um advogado, pacientes e familiares esperam encontrar culpados pelos problemas enfrentados na assistência à saúde. No entanto, nem sempre a resposta é a esperada e isso pode acarretar em outros danos, como o ressurgimento das dores emocionais relacionadas ao tratamento médico. Além disso, o prestador de serviços de saúde também pode enfrentar danos irreparáveis, tanto financeiros, devido aos custos associados ao processo, quanto no aspecto preventivo, adotando medidas defensivas para evitar possíveis processos futuros. Esse fenômeno é conhecido como medicina defensiva”, esclarece.
É relevante destacar que a falta de condenação em uma ação que busca responsabilizar os prestadores de serviços de saúde pode acarretar ônus significativos aos familiares. “Isso inclui o pagamento dos custos processuais e dos honorários dos advogados que representam o prestador, que podem corresponder a até 20% do montante de indenização pretendido. Muitas vezes, as famílias e os pacientes não estão preparados para lidar com essa situação, e cabe ao advogado apresentar todos esses aspectos, bem como todas as nuances e riscos típicos dos processos com esse perfil”, adverte.
Certificação ONA
Um dos métodos eficazes para mitigar potenciais erros ou reclamações em hospitais e clínicas de imagem é submeter-se a um processo de acreditação. “A acreditação estimula a implementação de sistemas de gestão de equipamentos eficazes, promovendo uniformidade e conformidade com as melhores práticas”, destaca doutor Péricles Góes da Cruz, superintendente técnico da ONA.
Isso significa que o estabelecimento adota políticas e procedimentos apropriados para a aquisição, rastreamento, manutenção, calibração, descarte e substituição de equipamentos. “Além desses cuidados, é essencial que a equipe seja devidamente treinada para realizar todos os procedimentos de forma eficiente, inclusive evitando erros de interpretação por parte da equipe clínica de diagnóstico”, conclui.