Erro médico durante a pandemia de Covid-19

Por Cauê Batista de Oliveira e Marcela Ruiz Cavallo

Os médicos e profissionais de saúde brasileiros têm lidado com fatores complexos para atuação profissional durante a pandemia. A presença de um vírus até então desconhecido, a alta demanda de pacientes sobrecarregando os hospitais, a existência de orientações internas e internacionais por vezes conflitantes e o volume de trabalho exaustivo por conta da tentativa de se retardar a crise sanitária que se instala: todas são circunstâncias que levam a um aumento nas chances de erro médico.

Contudo, antes de se aprofundar na possibilidade de responsabilização de um profissional da área da saúde, é importante que se compreenda a natureza da atividade médica e a própria definição de erro.

A medicina é uma atividade de meio, ou seja, o profissional está comprometido com a correta aplicação de seu exercício, e não com o resultado. Exercendo a profissão de forma ética e coerente, o médico não poderá ser responsabilizado, ainda que o resultado tenha sido diferente do pretendido. O erro médico, por sua vez, consiste em conduta inadequada capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de determinado paciente quando um profissional deixa de observar alguma regra técnica no seu ofício.

Valendo-se da lógica de que o médico que pratica atividades em observância às condutas técnicas dentro do quadro que lhe é trazido não incorre em erro, há de se observar a aplicação desta ideia em um cenário prático, especialmente quando há fatores excepcionais como os gerados por uma pandemia. Muitas vezes, esta circunstância deixa os profissionais expostos à possibilidade de responsabilização.

Mesmo antes do início da pandemia, o cenário já não era animador. De acordo com um estudo realizado há dez anos somente no estado de São Paulo, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) identificou um aumento de 302% na quantidade de processos relacionados à prática médica, erro médico ou infração às regras dispostas no Código de Ética Médica. Em outro estudo, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) identificaram que três pessoas morrem a cada cinco minutos nos hospitais do Brasil em razão de alguma falha médica.

É possível concluir que esses números não têm diminuído e tendem a piorar nos próximos anos. Neste cenário, ainda se destacam negativamente ações relacionadas à prescrição de medicamentos não eficazes contra a doença, prática que torna o profissional vulnerável a investigações e responsabilizações.

Contudo, tanto a alta nas ações relacionadas à prática médica nos últimos anos, quanto o aumento esperado para os próximos podem ser sinal de uma má gestão de riscos, o que passa desde a ausência de ferramentas para reduzir as ameaças até o desconhecimento dos deveres profissionais.

Para estes casos, a responsabilidade do médico é apurada com base na demonstração da atuação diligente e da correta utilização das técnicas e ferramentas disponibilizadas pela ciência. Por essa razão, é recomendado que médicos e instituições de saúde adotem mecanismos preventivos, com foco na avaliação, gerenciamento e mitigação dos riscos da atividade e na garantia de segurança dos profissionais e pacientes.

A adoção de mecanismos de compliance na área médica pode amparar a defesa de médicos em ações de responsabilização, uma vez que tal defesa é elaborada levando em conta a capacidade que o médico tem de comprovar a regularidade de sua atuação. Para tanto, os principais meios que devem ser observados dizem respeito à qualidade do prontuário médico, à existência de termos de consentimento completo e robusto e de contratos bem elaborados, além do conhecimento e respeito às regras estabelecidas no Código de Ética Médica.

Diversas são as formas de elaborar uma estrutura de compliance voltada à redução dos riscos da prática médica. Uma vez estabelecida, ela possibilita reduzir a quantidade de processos judiciais e administrativos, baixar os gastos com honorários de advogados e fortalecer a imagem do profissional como responsável no mercado.

Essa nova realidade demanda dos médicos um conhecimento em gestão de riscos antes não exigido, e que agora garante um serviço qualificado e que evita a judicialização na relação do profissional de saúde com os pacientes.

Entre as preocupações surgidas neste contexto está a dúvida sobre qual a fonte a ser seguida quanto aos protocolos: a Organização Mundial da Saúde ou o Ministério da Saúde? É possível se valer da autonomia médica para utilização de tratamentos sem embasamento científico? Pode o profissional ser responsabilizado na hipótese de que algum efeito colateral se manifeste por conta do tratamento utilizado?

Para que se possa analisar a presença de responsabilidade ou de erro médico, a conduta em discussão deve ser valorada de acordo com a possibilidade de ação frente às adversidades excepcionais já mencionadas. Não podem ser ignoradas, por exemplo, questões como a falta de profissionais, equipamentos, leitos e materiais. O respeito pela autonomia médica, que permite ao profissional a adoção do protocolo que entenda ser mais eficaz diante do caso em questão, também precisa ser observado.

O equilíbrio entre a autonomia do médico e a necessidade de ajuste da conduta às orientações se une ao dever de informação ao paciente, no que diz respeito à ausência de embasamento científico com relação aos tratamentos utilizados e, principalmente, o esclarecimento dos riscos. É um tema sensível e que certamente ganhará outros desdobramentos, mas a autonomia, nestes casos, deve caminhar junto com a transparência nas informações, de forma a evitar que o paciente seja induzido a acreditar que tal procedimento possa resultar em sua cura, quando na realidade não existe qualquer garantia neste sentido.

Embora a tendência de flexibilização dos critérios para avaliação de responsabilização efetivamente favoreça os profissionais, não deve servir como uma carta branca — já existem condutas isoladas sendo investigadas, principalmente no que diz respeito à adoção de protocolos sem qualquer embasamento científico.

A adoção de um mecanismo adequado de compliance neste momento por parte dos profissionais de saúde pode minimizar não só os riscos de responsabilização, mas também embasar os médicos caso haja a necessidade de defesa em processos administrativos e judiciais.


*Cauê Batista é advogado especializado em compliance para empresas e atua no Zilveti Advogados.
*Marcela Ruiz Cavallo é advogada especializada em contencioso cível e atua na Zilveti Advogados.

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