Menos desperdício, mais acesso: a equação da saúde suplementar
Por Fabricio Valadão
As fraudes, erros e desperdícios ocupam um espaço relevante no custo das operadoras de saúde no Brasil. A estimativa é que aproximadamente 16% da despesa do setor seja consumida por pagamentos indevidos, o equivalente a mais de R$30 bilhões em 2024. Um volume bilionário que não produz qualquer ganho em saúde e reduz a capacidade do sistema de ampliar acesso aos planos de saúde. Afinal, em um mercado de sinistralidade elevada e margens estreitas, perdas desse tipo comprimem ainda mais a margem das operadoras e aumentam a pressão sobre preços ao longo do tempo.
Pesquisa recente do Vox Populi encomendada pelo Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS) expõe um paradoxo que o setor de saúde suplementar já conhece, mas ainda não conseguiu resolver. De um lado, o plano de saúde permanece como um dos benefícios mais desejados pelos brasileiros. Entre quem não possui cobertura, 85% dizem que ter um plano é importante e 61% afirmam que gostariam de contar com um hoje. De outro, a porta de entrada segue estreita, com o fator econômico sendo o principal impeditivo. Ou seja, o plano de saúde é valorizado, mas para muitos permanece fora do alcance.
A pesquisa também revela um outro lado da equação: a experiência dos usuários que já possuem um plano de saúde. Ainda que 85% dos beneficiários estejam satisfeitos com seus planos de saúde, melhor índice na série histórica, quase um quarto deles (24%) relata ter recebido alguma negativa de autorização de procedimento ou exame no último ano. O que impressiona aqui é que, no maior número de casos, essas negativas chegam sem transparência: 54% dizem não ter recebido justificativa clara. Não por acaso, a própria regulação avançou nesse tema com a nova RN 623, que passa a exigir transparência ativa nos canais de comunicação entre operadoras e beneficiários.
O efeito mais grave, contudo, não é apenas a fricção com o cliente. Quando a cobertura é recusada, 57% das pessoas simplesmente deixam de realizar o procedimento por não conseguirem arcar com o custo do particular. Em outras palavras: para muitos brasileiros, a negativa não vira alternativa – vira desistência, com risco direto para diagnóstico e tratamento no tempo certo. É um sinal claro de que, quando o controle de custo opera por bloqueio e burocracia, ele não só corrói confiança, como pode piorar desfechos e alimenta um ciclo de judicialização.
Tudo isso é reflexo da pressão econômica que o setor da saúde suplementar vive hoje. Os números da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ajudam a dimensionar o contexto: entre 2021 e 2024, o número de beneficiários passou de 49 milhões para 52 milhões de pessoas – um crescimento de 6%. No mesmo período, a despesa assistencial avançou 24%.
Isso tensiona o próprio princípio de mutualidade: em um sistema baseado na diluição de risco, o equilíbrio depende de mais vidas compartilhando um custo relativamente previsível. Quando as despesas disparam sem crescimento equivalente da base, a mutualidade perde potência. Como consequência, o risco fica menos distribuído, o custo médio sobe e o setor passa a operar em modo defensivo. Isso aparece para o usuário na forma de burocracia, demoras na aprovação e, muitas vezes, negativas.
Diante desse contexto, obter equilíbrio financeiro é um grande desafio para as operadoras de saúde. Controlar custos é necessário, mas não pode vir às custas de barreiras ao cuidado, nem transferir o peso da ineficiência do sistema ao beneficiário. Afinal, se uma parcela relevante dos custos nasce de ineficiências e pagamentos indevidos, então endereçar esse tema é a maneira mais direta de olhar para recuperação de margens no setor.
É por isso que as operadoras têm avançado para modelos de auditoria mais inteligentes, baseados em IA e análise de dados. Essas ferramentas permitem identificar padrões de comportamento suspeito, detectar cobranças irregulares e evitar pagamentos indevidos antes que eles ocorram, eliminando gargalos que custam bilhões todos os anos. Em outras palavras, a tecnologia permite o surgimento de uma barreira de alta precisão, evitando somente aquilo que realmente não melhora a saúde das pessoas, permitindo que os pacientes continuem tendo acesso ao tratamento devido.
É inegável que o equilíbrio econômico da saúde suplementar depende de múltiplas variáveis, e não só de eliminar pagamentos indevidos. Mas ignorar o peso das ineficiências é desperdiçar uma das oportunidades mais objetivas de aliviar a pressão sobre o sistema. Cada real que deixa de ir para o ralo em desperdícios retorna ao sistema como capacidade de investimento, expansão de rede, contenção de reajustes e ampliação de cobertura.
A tecnologia já está pronta e os resultados são visíveis e promissores. O desafio é ganhar escala, ampliar sua implementação e dar espaço para inovação dentro da operação, a fim de fortalecer as áreas de auditoria e transformar a eficiência em política permanente do setor.
*Fabricio Valadão é CEO e cofundador da Arvo.
