Enron, Lojas Americanas e a ética na Saúde

Por Eduardo Winston Silva

Em 2001, o mercado financeiro foi abalado pelo escândalo envolvendo a americana Enron, até então considerada uma das mais inovadoras e bem-sucedidas empresas do mundo. Caracterizada pela contratação dos “melhores talentos” do mercado, pela gestão agressiva e por uma lucratividade extraordinária, a Enron era uma verdadeira grife corporativa. Suas ações estavam sempre em destaque e a companhia pagava pomposos bônus aos seus executivos. Tudo ruiu quando uma auditoria da autoridade que regula o mercado americano de capitais detectou que os resultados da empresa estavam sendo inflados por práticas contábeis que adotava. Em resumo, a Enron reconhecia como receita do período suas “vendas futuras”. A fraude os levou à falência, deixando cerca de 21 mil desempregados e prejuízos para acionistas, incluindo grandes fundos de pensão. Posteriormente, as autoridades concluíram ter havido má-fé de seus principais executivos, que foram condenados à prisão.

Como consequência desta catástrofe, o governo americano aprovou uma lei (que ficou conhecida como Lei Sabanes-Oxley ou SOX), que passou a imputar maior responsabilidade aos executivos e promoveu a definição de regras mais rígidas para contabilidade de empresa de capital aberto, incluindo parâmetros para reconhecimento de receita.

Passados mais de 20 anos, fomos, mais uma vez, surpreendidos, em 11 de janeiro de 2023, por um “Fato Relevante” no qual o executivo Sergio Rial, renunciou ao cargo de CEO das Lojas Americanas, após apenas 9 dias no cargo. Segundo ele, havia detectado uma inconsistência contábil de cerca de R$ 20 bilhões no balanço da empresa. Ainda segundo o executivo, a inconsistência estaria entre linhas do passivo, mais especificamente entre lançamentos nas contas de “Fornecedores” e “Dívida Bancária”. Portanto, indicou ele, que seria necessária uma reclassificação entre estas linhas. Ocorre, no entanto, que a reação do mercado e, mais especificamente dos credores, foi muito mais agressiva. Menos de dez dias após o “Fato Relevante”, em 19/01/2023, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial.

Diferente do caso da Enron, há muitas questões envolvendo a situação das Lojas Americanas que ainda não estão claras. Naturalmente, não tenho a competência para discorrer sobre a situação. As autoridades irão agora avaliar o caso em detalhe. Tampouco ousarei julgar motivações e impactos destas inconsistências contábeis. As semelhanças, no entanto, são notáveis. Temos uma empresa tradicional, com uma gestão reconhecida por seu modelo agressivo de atuação e tida como sendo composta por alguns dos melhores talentos do mercado. Igualmente inquestionável é a existência de inconsistência contábil. Tudo mais ainda é especulação.

Aqui cabe uma analogia. A Enron quebrou por uma inconsistência na contabilização de seus ativos. Posteriormente, a justiça americana confirmou ter havido má fé por parte dos executivos e a partir daí novas normas contábeis foram impostas as empresas. No caso das Lojas Americanas, temos uma inconsistência na contabilização dos passivos. Não sabemos se houve má-fé, mas investidores e credores já experimentam grandes prejuízos.

A esta altura, você pode estar se perguntando: o que a saúde tem a ver com estes casos?

Há uma prática recorrente no mercado da saúde de auditar contas médicas antes de seu faturamento. Esta prática acaba gerando um atraso no faturamento, o que, por sua vez, provoca um atraso no reconhecimento das despesas no balanço das empresas que pagam estas contas (ex. Operadoras de Saúde). Em outras palavras, esta prática, conhecida como “retenção de faturamento” provoca uma inconsistência entre a tomada do serviço e o reconhecimento da despesa nos livros destas companhias. Aqui também, não tenho a intenção de julgar as intenções dos envolvidos, mas ressalto que tal prática pode ser apropriada por gestores de má fé para manipular os resultados que apresentam.

Sendo este o caso, é importante mencionarmos que, diferente da Enron ou das Lojas Americanas, um problema em um Hospital ou Operadora de Saúde, além de prejuízo aos sócios e credores, pode acarretar o comprometimento do atendimento de pacientes. É muito crítico!

Existem autoridades, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que fazem um relevante trabalho de monitorar os agentes regulados. Contudo, a proliferação da prática da retenção abre uma janela para que gestores oportunistas utilizem este mecanismo com má-fé, colocando em risco suas empresas e todo o sistema. Portanto, é primordial que autoridades e gestores éticos se comprometam em implementar processos mais eficientes que reduzam o descasamento no reconhecimento de despesas, reduzindo a janela para oportunistas. Não adianta trocar a fechadura depois da porta arrombada, temos que agir já, para proteger o sistema de saúde e a população. É uma questão de ÉTICA!!!


*Eduardo Winston Silva é economista e presidente do Conselho de Administração do Instituto Ética Saúde.

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