Emílio Ribas: quase o dobro de pacientes com Covid-19 morreu em UTI terceirizada
Os pacientes internados nos leitos terceirizados da unidade de terapia intensiva (UTI) do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (IIER), no início da pandemia de Covid-19, apresentaram o dobro do risco de morte, quando comparados ao grupo de pacientes internado na UTI própria da instituição. É o que concluíram médicos do IIER em estudo publicado no The Brazilian Journal of Infectious Disease, que apontou 30% de mortes na UTI própria e 50% na UTI terceirizada. Em números absolutos, foram 16 e 30 mortes, respectivamente, entre março e abril de 2020, representando quase o dobro de pessoas que perderam as suas vidas. A pesquisa também mostra que a UTI terceirizada administrou 5 vezes mais hidroxicloroquina aos pacientes, tratamento experimental sem comprovação científica. O artigo é uma subanálise de um estudo global sobre Covid-19, liderado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e conduzido por uma equipe de pesquisadores do IIER.
O estudo observacional foi realizado com a análise de 114 prontuários de pacientes com síndrome respiratória aguda grave entre março e abril de 2020, início da pandemia de Covid-19. Ambas as UTIs atendiam população semelhante e possuíam as mesmas instalações, o que diferia era o quadro funcional: uma equipe previamente estabelecida (UTI-1) e outra montada recentemente (UTI-2). Os resultados do artigo científico sugerem que melhores resultados são possíveis em hospitais públicos, desde que sejam desenvolvidas estratégias de apoio para melhorar a preparação da equipe recentemente reunida para lidar com emergências. “Nossos achados podem informar aos formuladores de políticas que o treinamento e supervisão das equipes recém-formadas devem ser fortalecidos por meio do estabelecimento de programas de orientação e avaliação, além do desenvolvimento de protocolos de tratamento, detalhados e claros”, diz o artigo.
De acordo com o médico intensivista Jaques Sztajnbok, um dos idealizadores do estudo, o artigo científico prova o que já é consenso entre os profissionais da linha de frente, confirmando que médicos e demais profissionais da saúde com experiência no tratamento de doenças infecciosas têm melhores resultados na sobrevida dos pacientes. “A discrepante taxa de mortalidade entre as UTIs é um fator independente de outros. Reflexo do despreparo de uma parcela desses profissionais, que não têm culpa de terem sido ‘jogados aos lobos’ sem preparo, é a alta taxa de administração de hidroxicloroquina na UTI terceirizada. Quem tem vivência em doenças infecciosas entende que existem diversos tratamentos experimentais sem eficácia comprovada e que a administração indiscriminada não é recomendada, podendo até piorar o quadro dos pacientes. O Emílio Ribas é uma instituição altamente capacitada, sendo um centro universitário de ensino e pesquisa. Isso deveria ter sido melhor aproveitado.”
Segundo Eder Gatti, presidente da Associação dos Médicos do IIER (AMIIER), o que poderia explicar a maior letalidade é o fato de as equipes serem novas, muitas vezes compostas por profissionais sem a formação adequada para o tipo de assistência que é prestada e a alta rotatividade. “É uma percepção geral dos médicos do instituto que essa discrepância absurda no atendimento entre UTI própria e terceirizada persiste até hoje, dois anos após o início da pandemia, e impacta diretamente a vida dos pacientes”.
Gatti, que é infectologista, ainda explica que o que deveria ter sido feito era a ampliação da UTI já existente com abertura de concurso público emergencial de profissionais especializados em doenças infecciosas, que trabalhariam sob a coordenação dos profissionais mais experientes da equipe própria do hospital. “Não houve um planejamento de longo prazo e a terapia intensiva não foi organizada até hoje. Para piorar a situação, a diretoria anunciou que a UTI será terceirizada de forma permanente.”
Emílio Ribas enfrenta déficit de 258 profissionais e perspectiva é de piora em 2022
O Instituto de Infectologia Emílio Ribas é uma instituição centenária que teve um protagonismo em todas as epidemias que São Paulo enfrentou, inclusive de Covid-19, além de ser um serviço que gera recursos humanos para o SUS, formando médicos infectologistas para o Brasil inteiro, e o principal: presta um serviço altamente especializado para a população. Atualmente enfrenta uma grave crise de falta de recursos humanos, com um déficit de 258 profissionais. Não são realizados concursos públicos para repor o déficit de profissionais desde 2015. A partir de então, apenas entre os médicos, já ocorreram mais de 40 saídas, seja por exoneração, aposentadoria ou óbito.
Para 2022, a perspectiva é pessimista: a obra que se estende há sete anos chegará ao fim, com a abertura de 78 leitos, e não há profissionais suficientes para fazer o instituto funcionar por completo. Assim, corre-se o risco de que o nosso instituto seja todo terceirizado, não só a UTI, o que afetará diretamente a qualidade dos atendimentos, ensino e pesquisa.