Emergências médicas e o Consentimento Informado

Por Letícia Piasecki Martins

No segmento da saúde, é imprescindível que o profissional atue de forma preventiva para evitar litígios e, um dos documentos de relevância na área são os Termos de consentimento informado, livre e esclarecido que se trata de documento que tem por finalidade esclarecer ao paciente (ou seu representante legal) sobre as justificativas, objetivos esperados, benefícios, riscos, efeitos colaterais, complicações, duração, cuidados e outros aspectos específicos inerentes à execução médica do profissional, de modo que o paciente se sinta livre para tomada de decisão após os esclarecimentos devidos.

Impende dizer que a entrega dos Termos aos pacientes é medida obrigatória imposta não apenas pelo Conselho Federal de Medicina, mas em atendimento ao dever de informar constante no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, III, art. 8º, art. 9º, por exemplo). Assim, o consentimento informado é, indubitavelmente, a regra. Porém, há casos em que, em razão da natureza do ato, é possível que se admita a realização de intervenções médicas, sem a obrigatoriedade de consentir.

São os casos caracterizados por intervenções mais graves, que correspondem, em grande parte, a intervenção não terapêutica, em que a vida do paciente esteja em risco. Ou seja, o dever de informar e o dever de obter o consentimento do paciente pode ser dispensável na hipótese de colocar em perigo a vida. A vida se sobrepõe à necessidade de assinatura.

Assim, em algumas hipóteses de dispensado dever de informar, o médico tomará a decisão levando em consideração os danos que resultariam de uma ausência de tratamento, as hipóteses de sucesso do mesmo e os riscos e efeitos secundários que o acompanham, dispensando, assim, o termo de consentimento assinado.

Logo, significa dizer que a obtenção de uma manifestação de vontade decorre da declaração presumida. Em outras palavras, a vontade do paciente é presumida para que aquele profissional médico, empregue de todo seu conhecimento técnico e atue de acordo com as boas práticas médicas para salvar sua vida. Assim, tem-se que o médico deve atuar amparado no princípio da beneficência. E, na hipótese de emergência, pode-se falar, inclusive, em ausência de capacidade do paciente para consentir.

Em caso concreto, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ)¹ e, recentemente confirmado pela Quarta Turma do STJ (Resp nº 2097450), a paciente foi submetida a procedimento de adenomigdalite, no entanto, em razão da indução anestésica, sofreu parada cardíaca, interrompendo-se a cirurgia com encaminhamento ao CTI. Em seguida, evoluiu ao óbito. Segundo o TJRJ, a alegada falha no dever de informar não teria o condão de alterar o trágico desfecho que resultou no óbito. Isto porque, ainda que informada a respeito dos riscos possíveis do ato cirúrgico, sendo necessária a realização da cirurgia para o tratamento da saúde da paciente, menor e representada pelo genitor, a conduta esperada do responsável, seria autorizar o procedimento.

Quando da apreciação do Recurso interposto pela família da paciente, a Ministra Isabel Galloti, relatora da Quarta Turma no STJ, fundamentou: “no caso de cirurgias necessárias ao restabelecimento da saúde – ou seja, quando há a necessidade premente do procedimento por motivo de saúde –, é menos provável que o dever de informação sobre eventuais riscos da anestesia possa afetar a decisão de submissão à cirurgia, pois a preocupação, nesse caso, é com o pleno restabelecimento de alguma função comprometida que impede o paciente de ter uma vida saudável.”.

No caso relatado, embora não se tratasse de cirurgia de emergência, pois a paciente não estava em risco iminente de morte, de acordo com o STJ, não há se falar em obrigatoriedade do termo de consentimento informado, na medida em que se tratava de intervenção que visava evitar-se a complicação mais grave da paciente.

Assim, como decidido pelo TJRJ e confirmado pelo STJ, a necessidade da cirurgia para que o paciente tenha uma vida saudável, é maior, do que a não anuência aos termos de consentimento. Da mesma forma como pode ocorrer em um procedimento de retirada de vesícula, por exemplo. A intervenção visa conceder ao paciente a melhor qualidade de vida, sendo que, é menos provável que os riscos ali descritos afetem a decisão da intervenção médica.

No entanto, há se levar em consideração que, estando o paciente, em caso de urgência e incapaz de consentir com as informações apresentadas e questionamentos anestésicos apresentados, é adequado que o médico extraia o termo de consentimento do responsável legal ou acompanhante, pois, ainda que o CDC estabeleça a responsabilidade subjetiva para o profissional liberal (art. 14, §4º, CDC), este poderá ser responsabilizado por defeito informacional, além de que o ônus da prova pode ser invertido em favor do paciente.

Diante do cenário apresentado, questionamentos prévios bem elaborados e o termo de consentimento informado são de extrema importância para que o profissional previna possíveis demandas judiciais, se tratando de regra geral, mas, como vimos, no caso de emergência ou para aquele procedimento que pode comprometer a qualidade de vida do paciente à curto/médio prazo, admite-se a realização de intervenções médicas, sem que haja a necessidade de consentir. Vale dizer que isso não exclui o dever do médico de agir de acordo com as boas práticas médicas, ou seja, com prudência, perícia, cautela, entre outros princípios basilares inerentes à atividade e a um exemplar profissional.

¹Apelação Cível nº 0001968-16.2007.8.19.0002


*Letícia Piasecki Martins é advogada e Sócia do Escritório Meira Breseghello Advogados.

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