Eleição não pode interromper transferências voluntárias às OSCs

Por Ana Carolina Tinoco Neves

Todo ano eleitoral a pergunta se repete: até onde vão os limites de execução de políticas públicas sem que isso importe em vantagem indevida no pleito? Se as fronteiras estão razoavelmente claras em relação a inaugurações de obras ou implantação de gastos, por exemplo, as linhas ficam um pouco mais tênues com os pagamentos a organizações da sociedade civil.

O terceiro setor executa uma considerável parcela dos serviços públicos pelo Estado, seja por meio de convênios, termos de fomento, termos de colaboração, acordo de cooperação, termo de execução descentralizada e contratos de repasse. Diante da celebração destes instrumentos, a Administração Pública, buscando alcançar o interesse público, faz o repasse financeiro às organizações da sociedade civil (OSCs) por meio de transferências voluntárias.

A situação se complica a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, que caracteriza a transferência voluntária pela “entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde”.

Como se vê, a legislação trata expressamente da transferência intragovernamental. No entanto, em razão da atuação das OSCs ao lado da Administração Pública, a doutrina e a jurisprudência, admitem estes repasses também ao terceiro setor, que hoje se notabiliza, especialmente, pela gestão de equipamentos de saúde — embora este modelo de atuação também possa se repetir em outras áreas como assistência social, cultura ou meio ambiente.

Diante da potencialidade, relevância e impacto das transferências voluntárias é que a legislação eleitoral, a fim de evitar abusos de poder político e econômico, bem como garantir a isonomia entre os candidatos, vedou, nos três meses que antecedem ao pleito, o repasse financeiro através das transferências voluntárias, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado. Outra ressalva permite o repasse para atender situações de emergência e de calamidade pública.

A situação é digna de enorme apreensão entre os destinatários dos serviços de interesse público prestados pelas OSCs — e isso é especialmente sentido na área da saúde. Afinal, as transferências são essenciais para a manutenção e execução das atividades contratadas. Mas vedação à proibição das transferências voluntárias no período eleitoral, alcança apenas as novas transferências, sendo perfeita e juridicamente possível, dar continuidade aqueles repasses que já possuem contratualização, inclusive, com a suplementação do orçamento.

Portanto, as Organizações da Sociedade Civil que possuem relação com a Administração Pública, independentemente do tipo de contrato, não podem ser atingidas com a vedação, permanecendo inalterada as condições a execução dos serviços e o alcance ao interesse público.

Já aquelas que, até 6 de julho de 2024, no âmbito da Administração Municipal, não tenham celebrado o instrumento com a Administração Pública, serão alcançadas com a vedação eleitoral e não poderão receber recursos financeiros oriundos de transferência voluntária.

O que se observa é que a legislação eleitoral estabelece um equilíbrio entre a prevenção de abusos de poder político e econômico e a continuidade das políticas públicas executadas pelas OSCs. A vedação às novas transferências voluntárias garante a isonomia entre os candidatos, mas não jamais pode impedir a continuidade dos repasses já contratados. Dessa forma, o legislador protege tanto a integridade do processo eleitoral quanto a eficiência e continuidade dos serviços públicos.


*Ana Carolina Tinoco Neves é sócia da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados.

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