Se há diagnóstico, por que ainda estamos internando as pessoas?
Essa pergunta me fez refletir quando vi os números do último levantamento da Umane – associação civil sem fins lucrativos que administra um fundo patrimonial e se dedica a apoiar, desenvolver e acelerar iniciativas de prevenção de doenças e promoção de saúde – no âmbito da saúde pública. Em 2024, mais de 1,6 milhão de brasileiros foram internados por condições que poderiam ter sido evitadas. Isso significa que, a cada três minutos, uma pessoa dá entrada no SUS por uma falha previsível. Hipertensão, diabetes, infecções respiratórias, doenças crônicas ou outras, que com um acompanhamento minimamente eficiente, não deveriam ter chegado a esse ponto.
O que vejo é um sistema ainda muito reativo, que só age quando o quadro já está instalado. Se uma doença já foi diagnosticada, mas ainda assim evolui para uma internação, isso evidencia uma falha estrutural grave na continuidade do cuidado. Faltou coordenação. Faltou acompanhamento.
E o problema não está apenas na falta de recursos. A desorganização dos fluxos é crítica. Médicos estão sobrecarregados com tarefas administrativas, lidando com sistemas que não conversam. O paciente fica perdido nesse labirinto. Não há uma linha de cuidado clara e isso compromete diretamente tanto a qualidade quanto o custo da assistência.
Além da sobrecarga e da fragmentação, a pesquisa aponta para a subutilização de tecnologias que já estão disponíveis. Ferramentas que poderiam ajudar na triagem, no acompanhamento e no engajamento dos pacientes estão sendo pouco exploradas ou mal integradas.
A questão hoje não é mais se devemos usar tecnologia. A pergunta certa é: como podemos usar essas ferramentas de forma inteligente, coordenada e centrada na realidade do paciente? Temos um volume imenso de dados clínicos sendo desperdiçados por falta de estrutura para organizá-los e interpretá-los com eficiência.
Segundo o estudo, 53% das internações evitáveis aconteceram por falhas na linha de cuidado após a identificação do risco. A ausência de protocolos, a escassez de equipes multidisciplinares e o difícil acesso à atenção primária formam os principais gargalos. E tudo isso aponta para um sistema que ainda opera no improviso.
Não se trata apenas de adotar tecnologia por adotar. O que precisamos é de um novo modelo assistencial: centrado no paciente, com acompanhamento contínuo, capacidade preditiva e coordenação real. Só assim conseguiremos prevenir problemas, reduzir internações desnecessárias e promover saúde de forma mais eficiente e humana.
A atenção primária precisa ser fortalecida com ação conjunta entre União, estados e municípios. Regionalização, integração de dados e digitalização não são mais tendências, são obrigações. O Ministério da Saúde já sinalizou que irá anunciar, ainda em maio, um pacote de iniciativas voltado à reformulação do programa “Mais Acesso a Especialistas”. É um passo, mas ainda temos um caminho longo.
Enquanto isso, seguimos enfrentando um sistema que, além de falho, custa caro, em vidas, em sofrimento e em recursos. Precisamos, com urgência, virar essa chave.
*Maurício Honorato é CEO do Doutor-AI.