O que leva mulheres a sofrerem mais com distúrbios do sono?
Por Laura Castro
Questões relacionadas à saúde mental vêm sendo discutidas com cada vez mais frequência e aprofundamento, especialmente nos últimos anos. É perceptível que as pessoas estão mais preocupadas com sua saúde emocional e, mais importante, buscando ajuda para resolver seus problemas. Já foi-se o tempo em que era “aceitável” subestimar condições clínicas relevantes como ansiedade, depressão e, cada vez mais popularmente, também os distúrbios do sono, como é o caso da insônia.
Uma pesquisa realizada pela startup Vigilantes do Sono apontou que as mulheres são a maioria em queixas de problemas de sono, ansiedade e depressão. São alguns os porquês disso, mas talvez de maneira central, esteja o fato de muitas mulheres precisarem conciliar os afazeres domésticos com as tarefas da vida profissional, gerando assim, um excesso de estresse pela alta demanda de trabalho. Além disso, de forma preponderante, há uma maior predisposição fisiológica das mulheres para desenvolverem insônia, pelas oscilações hormonais que enfrentam mensalmente.
Dentre os usuários da Vigilantes do Sono, apesar da maioria ser mulher (78%), a diferença na proporção de insônia grave entre mulheres e homens é um pouco menor do que na população geral. Uma análise incluindo 11.579 pessoas (9.043 mulheres) que fizeram a avaliação basal de triagem da insônia dentro do aplicativo, a partir do Índice de Gravidade de Insônia (IGI), constatou que 13% das mulheres e 8% dos homens fazendo o programa consideram sua insônia grave, enquanto 49% e 45%, respectivamente, consideram a gravidade moderada e 33% e 40% consideram leve.
A insônia é um problema real, assim como a síndrome do sono insuficiente, ambas cada vez mais frequentes, particularmente em grandes cidades. Mais do que isso, são condições subestimadas. Não se pode normalizar noites mal dormidas. Uma vez que o quadro mais grave da insônia é atingido, ou seja, quando se torna crônica, a condição afetará a rotina e as tarefas diárias e há muitas consequências relevantes para a saúde, sendo extremamente importante buscar ajuda profissional. Neste ponto, é bastante provável que só com a ajuda de um profissional especialista em sono o problema pode ser solucionado.
Muitos estudos em diferentes países e populações apontam que as mulheres se preocupam mais com problemas de sono em relação aos homens. Elas percebem a insônia como mais grave e, de fato, costumam vivenciar os sintomas com mais frequência e de modo mais recorrente. Segundo dados do estudo EPISONO, do Instituto do Sono e UNIFESP, 21% das mulheres e 9% dos homens que vivem em São Paulo se queixam de uma síndrome de insônia, apresentando sintomas com uma frequência maior do que três vezes por semana e sofrendo impacto significativo sobre o funcionamento físico e mental.
De acordo com os principais consensos e diretrizes médicas do mundo, a Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-I) é o tratamento mais eficaz, atingindo melhores resultados do que o obtido com remédios para dormir, ainda que possam demorar um pouco mais. Isso porque ela atua nas causas da insônia. Embora ainda haja um mito acerca das pílulas mágicas que “resolvem” a falta de sono, a TCC-I é uma técnica desenvolvida há mais de 40 anos e que, comprovadamente, funciona. Há casos, porém, em que ela não funciona sozinha e é preciso intervenção psicológica concomitante, podendo haver indicação do tratamento farmacológico. Os indutores de sono, entretanto, cada vez mais sabemos que, se não manejados adequadamente e com indicação precisa, podem realmente se tornar um problema ainda maior, por causarem dependência e poderem levar ao abuso, já que vão perdendo o efeito ao longo do tempo.
As chamadas técnicas cognitivas ajudam a promover mudanças em pensamentos sobre o sono e, principalmente, em relação à percepção das consequências da falta de sono no funcionamento diurno. A restrição do sono significa ajustar o tempo e os horários que se fica na cama. No entanto, esse processo não é simples e requer adaptações na vida e, muitas vezes, treino de auto percepção. É um trabalho a ser desenvolvido no médio e longo prazo.
No caso de sintomas de depressão, como tristeza recorrente e uma sensação de inabilidade para fazer as atividades do dia a dia, as mulheres também se queixam mais e, em geral, por razões semelhantes, ligadas ao acúmulo de funções e sobrecarga física e mental. Entre as pessoas que fazem o programa da Vigilantes do Sono, aproximadamente 17% dos homens e 24% das mulheres alegaram problemas de depressão, o que representa um aumento relativo de 40% na proporção dos sintomas entre as mulheres. O mesmo acontece com sintomas de ansiedade, relatados por 37% dos homens e 53% das mulheres.
Sempre foi importante diagnosticar e tratar a saúde mental , no entanto, com a pandemia, muitas incertezas passaram a rondar nosso cotidiano, prejudicando ainda mais nossa capacidade de regulação emocional, e isso pode nos deixar mais suscetíveis ao desenvolvimento de distúrbios. Além das notícias trágicas, que passamos a consumir com mais frequência, o isolamento gerou um acúmulo de atividades domésticas e profissionais para a maioria das mulheres, trazendo um grande estresse, talvez um dos principais fatores responsáveis pelo aumento expressivo em quadros de ansiedade, depressão e insônia, que pode muitas vezes ser a própria causa de agravamento e instalação de um distúrbio ou quadro psiquiátrico mais grave .
*Laura Castro é sócia-fundadora e diretora de psicologia na Vigilantes do Sono.