Novas diretrizes ampliam indicação de testagem genética em casos de câncer de mama
Mulheres que desenvolvem câncer de mama, antes e depois dos 65 anos de idade, devem fazer análises genéticas para identificar mutações que podem estar associadas ao aparecimento de tumores malignos, segundo estabelece as novas diretrizes da Associação Norte-Americana de Oncologia (ASCO, na sigla em inglês), que acabam de ser publicadas no Journal of Clinical Oncology. Referência mundial em padrão de tratamento contra o câncer, a ASCO reuniu especialistas de todo o mundo e centros com ampla experiência em atendimento à pacientes oncológicos para estabelecer as novas diretrizes, que balizarão a conduta terapêutica relacionada a testes genéticos em pacientes com câncer de mama pelos próximos anos globalmente.
Diante de uma oncologia cada vez personalizada, torna-se premente a disseminação da testagem genética, não só para identificar a melhor conduta terapêutica, mas também para avaliar o risco de novos tumores dentro de uma mesma família. É o que explica Maria Isabel Achatz, Coordenadora da Unidade de Oncogenética do Hospital Sírio-Libanês, que foi a única representante da América Latina convidada a fazer parte do seleto grupo de trabalho de especialistas que desenvolveram as novas diretrizes, e que é coautora do artigo recém-publicado. O estudo usou dados dos principais centros de oncologia do mundo para determinar as novas diretrizes. O Sírio-Libanês foi a única organização da América Latina convidada a participar desse trabalho. “Detectar precocemente o câncer de mama gera um impacto enorme na probabilidade de cura da paciente, mas também em todo o sistema de saúde. Ao testarmos uma família, temos o conhecimento para poder determinar um acompanhamento que permita essa detecção precoce”, diz Maria Isabel. “Temos uma deficiência muito grande na saúde pública, que ainda não oferta esses exames, que podem salvar vidas e gerar economia para os cofres públicos.”
Os genes BRCA1/2 se popularizaram quando a atriz Angelina Jolie optou por fazer uma mastectomia antes do aparecimento de qualquer sinal de câncer de mama por ter histórico familiar e essa mutação genética. Há oito anos, foi passada a Lei nº 7.049/2015 no Rio de Janeiro, batizada popularmente de “Lei Angelina Jolie”, que autorizava o governo do Rio de Janeiro a firmar convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS) para a realização de exames de Detecção de Mutação Genética dos Genes BRCA1 e BRCA2 em mulheres com histórico familiar de diagnóstico de câncer de mama ou de ovário. Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Amazonas publicaram leis similares nos anos seguintes. No entanto, nenhum estado até hoje implementou o serviço. “As diretrizes atualizadas para testagem genética em pacientes com câncer de mama é um avanço importante que caminha lado a lado do conhecimento médico e desenvolvimento de tratamentos oncológicos”, diz Maria Isabel.
O custo de painéis completos para investigação de genes que podem estar relacionados à hereditariedade de um tumor torna a prática inviável em grande escala. No entanto, existem testes genéticos que investigam as mutações hereditárias em genes específicos, associados à suscetibilidade do aparecimento do câncer de mama. Esses testes eram, até então, restritos a pacientes com histórico familiar de câncer e diagnosticados em idade muito precoce. Esses testes envolviam um número relativamente pequeno de genes, conhecidos por terem fortes associações com o câncer de mama, como BRCA1 e BRCA2 (BRCA1/2), PALB2, PTEN, TP53, STK11 e CDH1. Há ainda outros genes que apresentam riscos menores, ATM, CHEK2, BARD1, NF, RAD51C e RAD51D, e a inclusão de testes para esses genes é um desenvolvimento mais recente.
O advento do sequenciamento genético de última geração e dos testes de painéis de múltiplos genes mudou o cenário dos testes de mutações hereditárias, trazendo implicações valiosas tanto para a prevenção (especialmente cirúrgica) quanto para o tratamento. Pois a descoberta desses genes associados aos tumores caminha par e passo com o desenvolvimento específico de tratamentos que atacam especificamente a mutação e interrompe o processo de formação do tumor. Considerando as múltiplas complexidades acerca desse cenário de testagem genética e implicações, a ASCO estabeleceu as diretrizes de quando e para quem deve ser recomendado os painéis de identificação de mutações germinativas (que ocorrem nas células que originam os gametas – óvulos e espermatozoides). Essas mutações são adquiridas dos pais, e são passadas para os filhos, portanto, hereditárias.
Entre as principais mudanças estabelecidas pelas novas diretrizes com recomendações para médicos para testagem genética em pacientes com câncer de mama estão:
Recomendação 1.1. Todos os pacientes recém-diagnosticados com câncer de mama em estágio I-III ou estágio IV/metastático que tenham menos de 65 anos no momento do diagnóstico devem receber testes de BRCA1/2
Recomendação 1.2. Todos os pacientes recém-diagnosticados com câncer de mama em estágio I-III ou estágio IV/metastático que tenham mais de 65 anos devem receber testes de BRCA1/2 se:
- forem candidatos a terapia com inibidores de poli (ADP-ribose) polimerase-1 (PARP-1) para doença em estágio inicial ou metastática;
- tiverem câncer de mama triplo-negativo;
- sua história pessoal ou familiar sugira a possibilidade de uma variante patogênica;
- tenham sido designados como sexo masculino ao nascer;
- sejam de ascendência judaica ashkenazi ou façam parte de uma população com uma prevalência aumentada de mutações fundadoras.
Recomendação 1.3. Os pacientes submetidos a testes de BRCA1/2 também devem receber testes para outros genes predisponentes ao câncer, conforme sugerido por sua história pessoal ou familiar. A consulta com um profissional experiente em oncogenética pode auxiliar nessa tomada de decisão e deve estar disponível aos pacientes sempre que possível.
Recomendação 2.1. Todos os pacientes com câncer de mama recorrente (local ou metastático) que sejam candidatos à terapia com inibidores de PARP devem receber testes de BRCA1/2, independentemente de histórico familiar
Recomendação 2.2. Os testes de BRCA1/2 devem ser oferecidos aos pacientes com um segundo câncer primário, seja na mama contralateral ou ipsilateral.
Recomendação 3.1. Todos os pacientes com história pessoal de câncer de mama diagnosticado antes dos 65 anos e sem doença ativa devem receber testes de BRCA1/2 se o resultado informar a gestão de risco pessoal ou avaliação de risco familiar.
Recomendação 3.2. Todos os pacientes com história pessoal de câncer de mama diagnosticado após os 65 anos e sem doença ativa, que atendam a um dos seguintes critérios, devem receber testes de BRCA1/2 se o resultado informar a gestão de risco pessoal ou avaliação de risco familiar:
- sua história pessoal ou familiar sugere a possibilidade de uma variante patogênica;
- foram designados como sexo masculino ao nascer;
- têm câncer de mama triplo-negativo;
- são de ascendência judaica ashkenazi ou fazem parte de uma população com uma prevalência aumentada de mutações fundadoras.
Recomendação 4.1. Os testes para genes de alta penetração além de BRCA1/2, incluindo PALB2, TP53, PTEN, STK11 e CDH1, podem ajudar na escolha de conduta terapêutica e influenciar a tomada de decisão cirúrgica, precisar as estimativas de riscos de um segundo câncer primário e informar a avaliação de risco familiar, e, portanto, devem ser oferecidos a pacientes apropriados.
Recomendação 4.2. Os testes para genes de moderada penetrância de câncer de mama (genes que quando apresentam mutação elevam o risco da doença, porém em menor grau que outras mutações) atualmente não oferecem benefícios para o tratamento do câncer de mama, mas podem elevar a chance de um segundo câncer primário ou a avaliação de risco familiar, e, portanto, podem ser oferecidos apropriados que estão sendo testados para BRCA1/2.
Recomendação 4.3. Se um painel de múltiplos genes for solicitado, o painel específico escolhido deve levar em consideração a história pessoal e familiar do paciente. A consulta com um profissional experiente em oncogenética pode ser útil na escolha de um painel de múltiplos genes que seja específico para aquele paciente, ou na interpretação de seus resultados, e o médico deve estar disponível aos pacientes sempre que possível.
Recomendação 5.1. Os pacientes submetidos a testes genéticos devem receber informações suficientes antes dos testes para fornecer consentimento informado.
Recomendação 5.2. Os pacientes com variantes patogênicas devem receber aconselhamento genético pós-teste personalizado e ser encaminhados a um profissional experiente em oncogenética.
Recomendação 5.3. Variantes de significado incerto não devem alterar a conduta terapêutica. Os pacientes devem estar cientes de que as mutações que hoje têm significado incerto podem ser reclassificadas futuramente como patogênicas, e devem entender que um acompanhamento periódico é necessário. A consulta com um profissional experiente em oncogenética pode ser útil e o médico deve estar disponível aos pacientes sempre que possível.
Recomendação 5.4. Pacientes que não apresentarem uma mutação nos testes genéticos ainda podem se beneficiar do aconselhamento, se houver um histórico familiar significativo de câncer, e é recomendado o encaminhamento a um profissional experiente em oncogenética.