Doenças inflamatórias intestinais: o custo de não tratar corretamente

Por Munique Kurtz de Mello

Estamos em maio e, como todos os anos, este mês é marcado pelo Maio Roxo, um período de conscientização sobre as doenças inflamatórias intestinais (DIIs), representadas majoritariamente pela doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Estas doenças são descritas como inflamação crônica no intestino e caracterizadas por dor abdominal e diarreia frequentes, urgência evacuatória, sangramento nas fezes, entre outros sintomas debilitantes.

Sob a ótica do paciente, conviver com uma DII não controlada é ter todos os aspectos da sua vida impactados: sua habilidade de estudar e trabalhar, ou até mesmo sair de casa, além de ter sua saúde mental e sua vida social impactadas negativamente pela doença. Felizmente, hoje o arsenal terapêutico para tratar a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa está avançando, tanto no mundo, como no Brasil.

Com o avanço das terapias, vimos também uma evolução nos objetivos terapêuticos para as DIIs na última década. Hoje, os profissionais de saúde entendem que um dos objetivos a longo prazo do tratamento deve ser alcançar e manter a cicatrização da mucosa intestinal, evitando danos progressivos e irreversíveis ao intestino. Os principais grupos de estudos e sociedades médicas de DII do Brasil e do mundo atualizaram os algoritmos de manejo em seus guidelines de tratamento, recomendando a introdução mais precoce de terapias avançadas (biológicos ou pequenas moléculas) em pacientes com formas de apresentação agressivas da doença ou que não respondem a terapias convencionais.

Os tratamentos lançados mais recentemente no país têm maior capacidade de atingir estes objetivos de tratamento mais audaciosos. Em contrapartida, o lançamento de novas opções terapêuticas sempre traz uma preocupação com o impacto financeiro destas inovações. Sabemos o quanto os nossos sistemas de saúde público e privado são desafiados a alcançar o equilíbrio entre oferecer o cuidado adequado ao paciente e operar dentro de um modelo sustentável a longo prazo.
Aqui, quero propor olharmos para além do custo do tratamento, considerando também as profundas implicações que a doença inflamatória intestinal não controlada representa para o sistema saúde. Para ilustrar: um(a) paciente que não recebe o cuidado certo para sua DII e não alcança níveis adequados de controle é um paciente que gera custos em internações, realização de exames e, em casos mais graves, cirurgias de emergência, incluindo a colectomia.

Trago um exemplo internacional para demonstrar este impacto financeiro. Em um estudo da Inglaterra, os dados mostram que 14% dos pacientes com DII que necessitaram de hospitalização representaram 49% dos custos totais com a doença. E se pensarmos que a incidência da DII está aumentando, a preocupação com o impacto financeiro que elas causam deve ser cada vez mais motivo de grande preocupação para os gestores de saúde.

O controle adequado desses pacientes é necessário tanto para garantir a qualidade de vida destas pessoas quanto para garantir a sustentabilidade dos sistemas de saúde. A educação dos profissionais de saúde para que eles estejam sempre atualizados e preparados para atender os pacientes com qualidade é um trabalho que vem sendo feito pelas sociedades médicas, universidades, centros de excelência em DII por todo o país. Mais recentemente, curso de extensão em DII com chancela do MEC passou a representar uma importante alternativa de atualização para os profissionais de saúde, ampliando o acesso à capacitação de qualidade na área.

Na perspectiva dos sistemas de saúde, é importante o olhar dos gestores de saúde, para que compreendam os benefícios dos pacientes atingirem o controle completo da doença, incluindo a redução da necessidade de hospitalizar o paciente, o menor risco para cirurgia e o aumento da qualidade de vida.

Na doença de Cronh, por exemplo, o risco de cirurgia caiu de 46,5% para 26,2% nos últimos 10 anos devido ao desenvolvimento de terapias avançadas, como medicamentos biológicos e imunomoduladores. Já na retocolite ulcerativa, a redução no mesmo período foi de 15,2% para 9,6%.

Isso sem mencionar os custos intangíveis da DII, causados pelas limitações nas atividades diárias, o não atingimento do potencial educacional e profissional de quem convive com a doença e os efeitos sobre relações familiares, sociais e profissionais, muitas vezes agravados pela estigmatização ou isolamento social associado à condição.

O sucesso do tratamento do paciente envolve mais do que apenas medicamentos inovadores. Uma abordagem ampla, com recursos como enfermeiros especializados, apoio psicológico e nutricional, monitoramento contínuo dos sintomas e acesso a exames de biomarcadores e de imagem também devem ser tópicos considerados pelos gestores de saúde no estabelecimento de estratégias para redução de custos e otimização dos desfechos clínicos dos pacientes de DII.

Esta reflexão que trago reforça que abordar o impacto econômico da DII apresenta não apenas desafios, mas possibilidades. Modelos de cuidado inovadores podem abrir caminho para um futuro em que as pessoas afetadas pela DII tenham melhores resultados de saúde e qualidade de vida, ao mesmo tempo em que reduzimos as pressões financeiras sobre os sistemas de saúde.


*Munique Kurtz de Mello é médica gastroenterologista pela USP, especialista em Doenças Inflamatórias Intestinais, professora coordenadora do ambulatório multidisciplinar de DIIs da Universidade do Vale do Itajaí, membro titular da Organização Brasileira de Doença de Crohn e colite (GEDIIB) e COO da Solare EducaHub.

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