Digitalização da Saúde: nuvem passageira ou uma nova era?
Por Rafael Moraes
Para nós entusiastas da digitalização da saúde e da consolidação definitiva de um ecossistema digital do setor, 2020 foi sem dúvidas um ano contraditório. Embora muito difícil, caracterizado pelo enfrentamento de uma crise mundial por conta da Covid-19, foi também memorável do ponto de vista dos avanços notados através da adoção de novas tecnologias e da digitalização do setor.
Primeiro, a perspectiva pessoal. Em março de 2020, sentimos uma explosão. Fomos procurados por dezenas de instituições e players que queriam aderir à ferramenta de prescrição digital. O telefone tocava a cada 15 minutos. Quadruplicamos os contratos de integração da nossa plataforma em comparação aos 12 meses de 2019. O número de cadastros mensais de médicos aumentou 12 vezes. O volume de contatos nos nossos canais de atendimento saltou de 100 para 5.000 por mês. Mais de 30 mil drogarias e farmácias nos procuraram para aderir à dispensação eletrônica de medicamentos. Foram mais de 13 milhões de receitas digitais emitidas, apenas pela plataforma da Memed em 2020, um aumento superior a 100 % do volume do ano anterior.
Aos números “somaram-se” também os aspectos regulatórios. A liberação em caráter de urgência da telemedicina veio juntamente com a regulamentação da prescrição digital para medicamentos controlados (aqueles que necessitam de um receituário de controle especial branco em duas vias); além da extensão da validade das receitas.
Claro que em um mundo ideal, tudo poderia ter sido mais suave. Mas aspectos críticos relacionados à saúde pública (e seu caráter de urgência), mobilizaram e demandaram uma enorme “energia” das empresas do setor. Tivemos que ofertar nossa tecnologia de prescrição digital para responder a esta avalanche de demandas em larga escala, e, literalmente, do dia para noite. Mas não podemos negar que tudo isso propiciou uma evolução da digitalização que o setor nunca havia alcançado antes. A questão agora é: como seguiremos em 2021? Todo esse movimento foi uma apenas uma nuvem passageira ou veio para ficar?
Bom, antes de falar em pós-pandemia, é importante lembrar que ainda estamos em plena pandemia, infelizmente. Mesmo com as vacinas se tornando disponíveis e iniciando-se a vacinação em massa, o mundo ainda enfrenta um desafio complexo de saúde pública. Há risco de uma segunda onda, da mutação do vírus e existem dúvidas ainda a respeito da reinfecção. O cenário, portanto, ainda é bem incerto, e muito provavelmente teremos que conviver durante o ano de 2021 com a necessidade de isolamento social.
Esse ambiente, acaba impulsionando a organização de diversos serviços oferecidos à classe médica em um verdadeiro ecossistema digital de saúde: consultórios “inteligentes”, prontuários eletrônicos, serviços de telemedicina, plataformas de prescrição digital e e-commerce de medicamentos. A ponto da gigante Amazon anunciar sua entrada no varejo farmacêutico com uma subsidiária, a Amazon Pharmacy, cujo serviço de venda de medicamentos e entrega em domicílio teve início em novembro de 2020 nos Estados Unidos.
Outro indicativo de que a digitalização da saúde está se consolidando, é a possibilidade concreta da telemedicina ser regulamentada em caráter definitivo no Brasil. Segundo a Agência Senado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) está em vias de regulamentar as consultas por meios digitais para vigorar também após o período da crise da Covid-19.
Mas, também do ponto de vista econômico, um retrocesso à uma estrutura de saúde fora dos imensos recursos investidos no mundo digital, obviamente, não faz mais sentido. De acordo com a segunda edição do relatório “Inside Healthtech Report”, lançado recentemente, o volume investido nas startups de saúde cresceu em 2020, durante a pandemia, 68% comparado à 2019. Isso significa a entrada de mais de US$ 12 milhões nesse mercado, impulsionando um setor que se apresenta cada vez mais aquecido.
Até aqui, nem mencionamos os benefícios do uso da tecnologia para pacientes, médicos e demais profissionais, assim como para toda a cadeia da saúde, seja em termos de eficiência, agilidade, conveniência e segurança. Já publicamos outros artigos nos quais detalhamos as vantagens e conveniências que a tecnologia promove quando aplicada em benefício dos serviços de saúde.
A verdade é que já estamos vivendo uma nova era. O mundo está cada vez mais digital e isso amplia conexões entre pessoas e serviços. Um ecossistema digital de saúde se faz necessário para relacionar, conectar, validar e otimizar serviços digitais, fazendo-os funcionar de forma única, efetiva e transparente para os usuários. A digitalização da saúde não é uma nuvem passageira. Ela veio para somar e se estabelecer definitivamente.
*Rafael Moraes é CMIO da Memed.