Defasagem na tabela SUS: diálise pública está ameaçada
Há no Brasil atualmente cerca de 150 mil pessoas em tratamento de diálise porque seus rins deixaram de funcionar e uma máquina faz o papel dos órgãos, os únicos do organismo humano cujas funções podem ser substituídas. Assim, não faltam no país casos de pessoas que sobrevivem há 10, 20, 30 anos graças a esse tratamento. Entre esses pacientes, cerca de 90% são mantidos por recursos do SUS. O Ministério da Saúde contratualiza com clínicas privadas de diálise que oferecem esse serviço altamente especializado e que envolve investimentos vultosos. Há pouco mais de 800 clínicas no Brasil.
Ocorre que, ao estabelecer contratos de prestação de serviços para atendimento aos pacientes do SUS, as clínicas são remuneradas por valores fixos por cada sessão de diálise realizada, previamente estipulados pelo tomador de serviços, o Governo Federal. Bem diferente das relações comerciais estabelecidas entre instituições privadas, o governo determina quanto vai pagar e ainda, não se compromete contratualmente em reajustar anualmente o valor dos serviços prestados. E mais, tem a liberdade de aumentar exigências quanto a metas, números de profissionais necessários ao serviço, diferenças regionais de custos, alta do dólar, pandemia, entre outras.
Considerando longos períodos em que as clínicas de diálise ficaram sem reajustes no valor das sessões, aumentos de custos por exigência de mais médicos e enfermeiros, equipes multiprofissionais como psicólogo, assistente social, enfermeiros e técnicos, e também por inflação nos produtos médicos e de saúde, estamos há alguns anos diante de uma situação financeira difícil. Podemos categoricamente afirmar que as clínicas se mantêm ainda, graças a diminuição de custos proporcionadas pelos próprios governantes, como por exemplo, a isenção de ICMS destinada às empresas fabricantes de insumos e equipamentos utilizados na diálise. Iniciativa importante num país em que cerca de 75% da população é assistida pelo SUS, ao menos 180 milhões de pessoas.
Mas não basta este tipo de subsídio. O que o setor precisa é de reajuste anual da tabela SUS. Sem que isso ocorra, coloca-se perto do desmantelamento, uma rede de serviços que já respira por aparelhos por algum tempo. Há cerca de 20 anos, por exemplo, o Brasil possuía 20 fábricas de concentrados de diálise e hoje possui quatro. Mais de 40 clínicas de diálise fecharam nos últimos seis anos. E nós nefrologistas, seguimos muito preocupados. Porque pacientes de diálise não sobrevivem sem o tratamento. Não tem sido facultativo aos gestores de clínicas fecharem suas unidades, por exemplo, enquanto não se encontram outras clínicas aos pacientes. É a vida que está em jogo. E como ficaremos nesse cenário que nem mesmo o governo federal tem tido a responsabilidade de assumir os gastos reais dos doentes renais? Os doentes não podem esperar pela coerência das decisões governamentais.
*Yussif Ali Mere Júnior é médico nefrologista e presidente da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT).