O valor do descanso na saúde e na gestão sustentável

Por Renato Tardelli

Vivemos em um tempo em que a conectividade ininterrupta, a aceleração dos processos e a cultura da performance têm obscurecido um valor essencial à saúde individual e à sustentabilidade das organizações: o descanso. No ambiente da saúde pública, com seus desafios permanentes, metas exigentes e compromisso com o cuidado humano, essa realidade se agrava. Precisamos, com urgência, abrir espaço para refletir sobre o direito — e a necessidade — de desconectar.

Nosso corpo e nossa mente não foram feitos para operar em regime contínuo. A fisiologia do descanso é clara: o sono, as pausas e os momentos de lazer não são indulgências, mas processos ativos de regeneração física e mental. A literatura científica é vasta nesse sentido. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em diversos relatórios, aponta o estresse ocupacional como uma das maiores ameaças à saúde global do trabalhador, associando-o a doenças cardiovasculares, transtornos psiquiátricos e até à síndrome do esgotamento profissional (burnout), reconhecida como fenômeno ocupacional pela própria OMS desde 2019.

No clássico estudo de Maslach e Leiter (1997), referência na compreensão do burnout, evidencia-se que uma das principais causas de exaustão emocional nos ambientes de trabalho é a invasão do tempo pessoal. Quando o profissional não consegue se desligar de suas atividades, mesmo fora do expediente, as fronteiras entre vida profissional e pessoal se dissolvem. O resultado é a perda de identidade fora do trabalho, queda no rendimento e afastamento dos vínculos afetivos — com filhos, parceiros, amigos e consigo mesmo.

Na saúde, isso é particularmente alarmante. Somos uma categoria vocacionada ao cuidado do outro, e, por isso mesmo, precisamos estar bem para cuidar bem. Se nossa equipe — dos diretores aos profissionais da ponta — não puder descansar verdadeiramente, não será possível sustentar o nível de excelência e empatia que o Sistema Único de Saúde (SUS) exige de nós.

O conceito de recuperação psicológica do trabalho, estudado por Sabine Sonnentag (2001), mostra que o descanso fora do expediente melhora a memória de trabalho, o foco, a criatividade e até a resolução de conflitos. O autor reforça que essa recuperação só ocorre quando há ausência de demandas laborais, inclusive digitais. O simples recebimento de mensagens ou e-mails profissionais fora do expediente já é capaz de reativar o “modo trabalho” no cérebro, impedindo o desligamento necessário para a restauração cognitiva.

A Harvard Business Review publicou, em 2021, um artigo contundente: “The Case for a 4-Day Workweek”, defendendo que organizações que protegem o tempo livre de seus profissionais colhem benefícios em inovação, produtividade e vínculo com a instituição. Em outras palavras, permitir e incentivar o descanso não é um gesto de gentileza — é estratégia de gestão inteligente e baseada em evidência.

Como diretor técnico de uma Organização Social de Saúde com mais de 24 mil colaboradores e mais de 465 líderes, temos a responsabilidade de dar o exemplo. Na instituição, prezamos pelo cuidado com quem cuida, investindo em ações que promovam um olhar empático e humanizado em relação à saúde mental. Para isso, investimos em um espaço de escuta qualificada e acolhimento dos nossos profissionais, além de uma parceria com uma plataforma para oferecer sessões de terapia online e conteúdo de autocuidado a todos os colaboradores.

Sabemos que, dentro do segmento da saúde, a dinâmica das urgências e demandas inadiáveis pode tornar difícil a desconexão total. No entanto, é fundamental refletirmos sobre nossos hábitos e buscarmos um equilíbrio mais saudável. Pequenos ajustes na cultura organizacional podem fazer a diferença para garantir que o descanso seja respeitado sempre que possível, sem comprometer a qualidade do atendimento e a segurança dos pacientes.

É hora de mudar. É hora de reforçar nosso compromisso com a saúde começando por nós mesmos. Desligar aos fins de semana não é desleixo, é autocuidado. Evitar mensagens fora do horário não é omissão, é respeito ao outro. Proteger as férias alheias não é perda de tempo, é gestão com visão de futuro.

Como dizia o médico psiquiatra Viktor Frankl, “Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.” A cultura organizacional é feita por pessoas. E líderes têm o poder (e o dever) de moldá-la.

Façamos do descanso uma prática institucional. Do respeito ao tempo do outro, uma política não escrita, mas vivida. E da valorização da vida pessoal de cada colaborador, um reflexo verdadeiro daquilo que defendemos enquanto organização: o cuidado com o ser humano.


*Renato Tardelli é Diretor Técnico do Centro de Gerenciamento Integrado de Serviços de Saúde (CEGISS) do CEJAM – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”.

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