Cuidados Paliativos: redução e prevenção do sofrimento
Por Filipe Gusman
A revolução do envelhecimento nos permitiu viver mais. Se antes, o infarto, AVC ou câncer eram fatais, agora é possível viver com qualidade mesmo com consequências como a metástase, insuficiência cardíaca e a demência. Hoje, com tratamentos e recursos tecnológicos nos hospitais mais avançados, vive-se mais tempo com a doença, mas como viver com os diversos tipos de sofrimento relacionados a condição clínica e seus tratamentos?
Os cuidados paliativos visam, justamente, a redução e prevenção do sofrimento por meio do tratamento da pessoa que adoece e de seus familiares e não da doença em si. O tratamento é realizado por uma equipe multidisciplinar e procura identificar precocemente sintomas da ordem física (como a dor), emocional (ansiedade), social (impacto do afastamento do trabalho) e espiritual (quando afeta o sentido da vida).
Reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados paliativos são fundamentais para proteger e priorizar a qualidade de vida dos pacientes e familiares frente a um sofrimento tão grande. Apesar disso, existe uma série de tabus e concepções erradas atribuídas ao tratamento. A palavra “paliativo” tem, em sua origem, o sentido de “proteger”, “aliviar”, e não de remendar ou ser um placebo, é um tratamento complementar que não substitui o tratamento específico das doenças.
Ser contrário aos cuidados paliativos não deixa de ser uma forma de negacionismo científico, visto que o tratamento tem uma série de benefícios comprovados pela ciência. Pautado em pesquisas e literatura científica séria, amplamente debatido em congressos nacionais e internacionais, o cuidado paliativo definitivamente não é um tratamento alternativo.
Infelizmente, em muitas ocasiões, o cuidado paliativo é indicado tardiamente, quando a doença já não responde mais adequadamente aos seus tratamentos específicos, o que faz com que muitas pessoas associem o cuidado paliativo com um remendo ou com a morte. É fato que o tratamento é indicado em situações de doenças graves que ameaçam a continuidade da vida, mas o objetivo é apoiar o paciente e garantir que tudo que está sendo feito faz sentido para ele, preservando sua dignidade e acolhendo os familiares.
Já em relação ao tratamento em si, ele é realizado por equipes multidisciplinares formadas principalmente por médicos, enfermeiros e psicólogos, mas que podem contar também com fonoaudiólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, dentistas, capelania (pastoral), entre outros. Estes profissionais monitoram constantemente os sintomas e conversam com os pacientes e familiares, auxiliando no esclarecimento sobre a doença e seus tratamentos.
A indicação do cuidado paliativo ao paciente é feita a partir da gravidade da doença e da dificuldade do tratamento, mas o sofrimento é o fator-chave para se recomendar o tratamento.
Como responsável pelos cuidados paliativos da Casa de Saúde São José, percebo que sintomas como dor, náuseas, falta de ar, boca seca, confusão mental, agitação e agressividade, depressão e constipação são alguns dos mais frequentes nos tratamentos. É perceptível a melhora e alívio provocado pelos cuidados paliativos na vida dessas pessoas.
Quando quebramos o tabu de falar sobre a morte, podemos mudar a forma de enxergar o final da vida. Quando falamos sobre o fim da vida, podemos evitar que as pessoas acabem sozinhas no fim, em ambientes frios e nada acolhedores. Podemos evitar muitos sofrimentos físicos, emocionais e espirituais. Receber cuidado paliativo não é sentença de morte nem um remendo, mas sim um tratamento complementar fundamental que preserva a vida e humaniza a assistência.
*Filipe Gusman é Médico Geriatra responsável pelos cuidados paliativos da Casa de Saúde São José.