Prevalência e prognóstico da Covid-19 e IST entre transexuais

Pesquisa inédita no Brasil reúne academia, sociedade civil, gestão da saúde e uma startup para estudar prevalência e prognóstico de Covid-19 e infecções sexualmente transmissíveis (IST) em pessoas que se identifiquem como transexuais, trabalhadores do sexo ou do entretenimento adulto em São Paulo. Por iniciativa do Instituto Cultural Barong, a parceria reúne a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), o Núcleo de Doenças Sanguíneas e Sexuais (NDSS) do Centro de Virologia do Instituto Adolfo Lutz (IAL), o Centro de Referência e Treinamento em IST/Aids (CRT-DST/Aids-SP) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e a startup GermSure. A prevalência da Covid-19 e os prognósticos de gravidade em doenças serão estudados no contexto da vulnerabilidade social em 1.500 pessoas trans recrutadas.

“O Estudo Plural nasce a partir de uma questão surgida com as observações in loco, com a possibilidade de interação entre os medicamentos para hormonização de pessoas trans trabalhadoras sexuais e sua exposição à covid-19 e às IST. A gente testava HIV, sífilis, hepatites, mas não tinha teste de Covid pra oferecer; e essas pessoas continuaram trabalhando durante a restrição de mobilidade da pandemia, entre março e abril de 2020”, conta a assistente social Marta McBritton, presidente do Barong.

“No contexto da Covid-19, os hormônios sexuais como a testosterona, desempenham um papel claro na modulação da resposta imune, e a maior mortalidade nos homens em comparação com as mulheres provavelmente está associada aos níveis de hormônios sexuais que podem influenciar a resposta inflamatória”, explica a professora Ana Paula Morais Fernandes, da EERP-USP. Segundo afirma, pesquisas com pessoas trans podem produzir evidências para utilização em diversos cenários. “Mulheres transgênero procuram tratamento hormonal, seja por bloqueio da testosterona e/ou administração de estrogênio e homens transgênero utilizam administração de testosterona.”

Biologia de sistemas

Por meio de análises de biologia de sistemas, o Estudo Plural pretende identificar os níveis plasmáticos de mediadores inflamatórios em 1.500 pessoas transexuais trabalhadoras do sexo e do entretenimento adulto que serão recrutadas na cidade de São Paulo. Mediadores inflamatórios são biomarcadores capazes de predizer e de caracterizar falhas de tratamentos e fornecer prognósticos de gravidade em doenças no contexto de vulnerabilidade social.

“Esse objeto de pesquisa é extremamente importante, primeiro considerando que temos informações quase inexistentes sobre o tema envolvendo as pessoas trans e todas as estratégias voltadas para esta população promovem sua inclusão nos serviços e uma aproximação às estratégias de prevenção às IST e ao HIV/Aids”, afirma a médica Rosa Alencar Souza, da coordenação do CRT-DST/AIDS-SP.

“Apesar de estudos mostrarem que há uma evidente relação entre hormônios e respostas imunológicas envolvendo biomarcadores, o significado clínico em pacientes infectados por SARS-CoV-2 permanece amplamente desconhecido”, corrobora a professora Ana Paula. “Assim, pesquisas como esta, que analisam biomarcadores inflamatórios, têm o potencial de permitir uma melhor compreensão da doença, para busca de alvos terapêuticos no contexto da Covid-19”, argumenta.

Material biológico

Durante o Estudo Plural, o material biológico será coletado pela equipe do Barong e por cerca de 20 graduandos e pós-graduandos da EERP-USP. Essas amostras serão recebidas, preparadas e armazenadas pela equipe do NDSS do Instituto Adolfo Lutz.

“A atuação do núcleo neste trabalho tem a finalidade de preservá-las adequadamente até o momento das análises laboratoriais previstas”, explica o professor Luís Fernando de Macedo Brígido, diretor do Núcleo de Doenças Sanguíneas e Sexuais do IAL. “O compromisso do NDSS com o projeto é garantir a qualidade dessas amostras.”

“Todos os testes e autotestes são da GermSure, que está garantindo o diagnóstico de Covid-19 no Estudo Plural”, salienta a artista plástica Adriana Bertini, diretora de projetos do Barong. A GermSure é uma startup de soluções em saúde que busca promover ferramentas sustentáveis para a prevenção e o controle de doenças.

“A expectativa da GermSure é obter informações que realmente embasem a necessidade do autoteste de Covid como uma política pública de saúde”, vislumbra Ana Flávia Pires, co-fundadora e gerente de produto. Um dos objetivos do Estudo Plural é a usabilidade do teste rápido de Covid-Ag como autoteste em 500 pessoas trans. “Vamos fazer um questionário para mostrar que essa população nunca teria acesso ao autoteste se não fosse pelo projeto.”

Estudo Plural

  • 1.500 pessoas que se identifiquem como transexuais trabalhadoras do sexo e do entretenimento adulto na cidade de São Paulo participantes da pesquisa;
  • Caracterizar participantes segundo dados sociodemográficos e situação de exposição e vulnerabilidade;
  • Estimar a prevalência de Covid-19, hepatites virais, sífilis e HIV;
  • Analisar vulnerabilidades para infecção e disseminação da Covid-19, hepatites virais, sífilis e HIV;
  • Identificar preditores de gravidade da Covid-19 em coinfecções;
  • Analisar biomarcadores inflamatórios correlacionados com comorbidades e de falhas de tratamento;
  • Avaliar a usabilidade do teste rápido de Covid-Ag como autoteste em 500 pessoas trans.

Como determina a Resolução 466/2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, o Estudo Plural foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, sob protocolo CAAE# 51994921.7.0000.5407. A coleta de dados será realizada após concordância e assinatura voluntária do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, ficando uma cópia com o/a participante e outra com o entrevistador. Para quem não domina a leitura (analfabetos e/ou analfabetos funcionais) será utilizada autenticação digital. Às pessoas participantes da pesquisa será garantido sigilo das informações e anonimato. Menores de 18 anos, pessoas gestantes, pessoas sob efeito de álcool e/ou entorpecentes identificadas pelos entrevistadores, não podem participar do estudo.

Estudo inicia recrutamento nesta quinta-feira (26), na Casa Florescer

O Estudo Plural dá início ao recrutamento de 1.500 pessoas transexuais, trabalhadores do sexo e do entretenimento adulto nesta quinta-feira, 26 de maio, na Casa Florescer, centro de acolhida para pessoas trans na cidade de São Paulo.

Este recrutamento inicial na Casa Florescer está no escopo da amostra intencional, pela qual as pessoas convidadas serão incluídas assim assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) do estudo. “Quando a gente traz a narrativa desses corpos trans invisibilizados, pensa na negação do acesso a um direito. Direito básico à saúde, neste caso”, explica Alberto Silva, coordenador da Casa Florescer.

Ele explica que grande parte da população acolhida pela Casa Florescer vem da invisibilidade, “por estar em situação de rua, por ter vivenciado o trabalho de profissional do sexo e consequentemente, em algum momento, ter negligenciado algum tipo de atendimento quando fez essa procura”.

Mas, a aproximação com uma equipe multidisciplinar na interlocução “reverbera outra possibilidade de autodescoberta, de reinvenção e de desenhar outras perspectivas perante o direito básico à Saúde. Muitas trans ainda têm bastante resistência, fruto de situações vividas, mas é importante estreitar esse laço, fortalecer a possibilidade de emancipação e de autocuidado, proteção ou descoberta do próprio corpo”.

A expectativa é gerada pela preocupação com a articulação com o grupo porque, segundo relata, “muitas vezes essa relação com a saúde se torna tóxica, devido à falta de entendimento na aproximação com esse território, tão necessária para essas corpas e esses corpos”.

“Eu sinto que temos uma dívida enquanto sociedade com as trabalhadoras do sexo; aliás, com todas as pessoas invisíveis. E toda sociedade usufrui de uma profissional do sexo, seja assistindo um vídeo pornô ou citando como exemplo de uma vida sem futuro”, enumera a presidente do Barong. “Nós não queremos ‘ajudar’, mas encontrar uma maneira de oferecer dignidade a essas pessoas”, finaliza Mc Britton.

“No Barong, trabalhamos com as metas dos Objetivos 1, 3, 4, 5, 8, 10, 11, 16 e 17 do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Nós aplicamos os conceitos globais de ESG, aplicando na governança e no fortalecimento socioambiental em todos os projetos”, sublinha Bertini.

A capital paulista tem população estimada em 20 milhões de habitantes e absorve considerável contingente de pessoas transexuais trabalhadoras do sexo e do entretenimento adulto. Os locais de coleta dos dados serão os de maior circulação desta população, como o Largo do Arouche, Rua Moisés Kauffmann, Avenida Indianópolis, Alameda Casa Branca, Rua Frei Caneca, entre outros. Novas datas serão agendadas em outras casas de acolhida, como a Casa 1, Casa da Luz, Casa Chama, Casa Neon Cunha e os Centros de Cidadania Norte e Leste.


Serviço
Estudo Plural – lançamento e início de recrutamento
Quando: 26 de maio de 2022, 10h
Onde: Casa Florescer
Rua Prates, 1101, Bom Retiro, São Paulo.

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