Inexistência de relação de consumo nas autogestões
Por José Luiz Toro
Apesar da Lei n. 9.656, de 1998, em seu artigo 1º. mencionar a aplicação simultânea das disposições do Código de Defesa do Consumidor e o seu artigo 35-G deixar expresso, de forma contraditória, que “aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o parágrafo 1º. desta Lei as disposições da Lei n. 8.078, de 1990”, há que se verificar que aludida aplicação simultânea ou subsidiária somente se justifica quando se está diante de uma inequívoca relação de consumo.
Ademais, vale observar que o Código de Defesa do Consumidor não define o que é uma relação de consumo, restringindo-se nas definições de “consumidor” e “fornecedor”, deixando expresso que os serviços praticados em decorrência de relações de caráter trabalhista não estão sujeitos à mencionada norma.
Neste sentido, verifica-se que as autogestões não possuem finalidade lucrativa, sendo que, os seus beneficiários são, na maioria dos casos, ao mesmo tempo “consumidores” e “proprietários” das mencionadas entidades, participando da tomada de decisões, com direito de votar e ser votado, mesmo que de forma indireta, ou então esses planos de saúde são decorrentes de relação laboral ou negociação coletiva de trabalho, não se caracterizando, portanto, como uma verdadeira relação de consumo.
Evidencia-se, portanto, através da simples leitura do art. 2º. da Resolução Normativa – RN n. 137, de 2006, e suas alterações, da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que inexiste a condição de consumidor nas autogestões, pois são destinadas a um público fechado, não podendo essas entidades disponibilizar planos de saúde no mercado de consumo.
Obviamente, nas autogestões de departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado a relação jurídica subjacente entre a autogestão e o beneficiário é de índole laboral, afastando, por completo, a incidência do Código de Defesa do Consumidor, consoante o disposto no parágrafo 2º do artigo 3º. do CDC.
Nas autogestões com mantenedores ou patrocinadores, igualmente, os planos são destinados aos empregados e administradores destas pessoas jurídicas, também se subordinando a definição de contrato coletivo empresarial previsto no art. 5º. da Resolução Normativa – RN n. 557, de 2022 (antiga RN n. 195, de 2009), da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS
Por fim, nas autogestões destinadas a integrantes de determinada categoria profissional, são eles que administram o seu próprio plano de saúde, em conformidade com seus estatutos sociais, tendo poderes para votar e ser votado, bem como decidir, normalmente em assembleias ou através de órgãos representativos, sobre os destinos da autogestão, não se tratando, portanto, de uma relação de consumo.
Resta evidenciado que os planos das entidades de autogestão não podem ser oferecidos no mercado de consumo, destinando-se, exclusivamente, a grupos fechados de pessoas, sendo que os parágrafos 1º, 2º. e 3º. da Resolução Normativa – RN n. 137, de 2006, e suas alterações, da ANS.
Concluindo, verifica-se que deve ser rechaçada qualquer interpretação que procure aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos planos de saúde das entidades de autogestões, pois a doutrina, a regulação exercida pela ANS e as decisões reiteradas dos tribunais, inclusive do STJ, deixam devidamente demonstrada a sua não incidência, pois inexistente in casu relação de consumo, lembrando que o conceito de consumidor deve ser buscado na Lei n. 8.078, de 1990, e não na Lei n. 9.656, de 1998, mesmo com a alteração realizada pela Lei n. 14.454, de 2022.
*José Luiz Toro da Silva é Advogado, professor, mestre, doutor, pós Doutor em Direito, consultor Jurídico Nacional da UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde e presidente do IBDSS – Instituto Brasileiro de Direito da Saúde Suplementar