O uso do conhecimento para a melhoria do cuidado ao paciente

Por Laís Junqueira

Na área da saúde, a Prática Baseada em Evidências (PBE) é muitas vezes considerada o “Santo Graal” na redução da variação indesejada no cuidado e na melhoria dos desfechos clínicos. No entanto, o caminho da implementação e adoção de uma cultura de prática baseada em evidências é altamente complexo, com diversos desafios multi e interdisciplinares durante a jornada. Assim, uma implementação bem-sucedida da PBE nas atividades diárias dos hospitais começa na construção de um consenso sobre o significado e o valor que o cuidado baseado em evidências traz para a equipe clínica.

Os desafios começam com o princípio da Prática Baseada em Evidências: todos acenamos com a cabeça em tom de confirmação quando ouvimos o termo, mesmo quando temos diferentes entendimentos sobre o que significa. A PBE já foi definida como “o uso consciente e criterioso das melhores evidências atuais em conjunto com a experiência clínica e os valores do paciente para orientar as decisões de cuidados de saúde”. Em teoria, quando dados suficientes estão disponíveis, as evidências da pesquisa devem guiar a prática, em conjunto com a experiência clínica e os valores do paciente.

Portanto, a implantação da PBE deve possibilitar a padronização do cuidado e a redução dos riscos de complicações e erros médicos. No entanto, a padronização deve ser feita de maneira cuidadosa: padronizar riscos significa transformar os riscos em norma. Para padronizar o atendimento de forma segura e eficiente, as partes interessadas relevantes devem estar alinhadas em todas as etapas do processo, desde a seleção das evidências relevantes até a tecnologia utilizada.

Além disso, a divulgação de evidências por si só não costuma ser suficiente para gerar mudança na prática clínica – o que nos remete ao segundo desafio: a adesão às evidências.

Os médicos podem ter a percepção equivocada de que a PBE leva muito tempo ou que os dados disponíveis são uma forma de criticar sua prática, e não de melhorar o cuidado. Esta percepção leva à resistência ao uso de dados estruturados e assim, oportunidades para coleta de informações do mundo real e aplicação das mesmas na prática são perdidas.

Essa resistência à mudança deve ser tratada em diferentes níveis, começando pela mudança da cultura organizacional e usando dados para mostrar o impacto da Prática Baseada em Evidências nos indicadores de resultado e de processo. E aqui entra a tecnologia como grande aliada para os administradores de hospitais: uma vez que a Solução de Suporte à Decisão Clínica (CDS) é implementada, a adesão aos protocolos pode ser rastreada e analisada junto aos desfechos clínicos. Estes dados então são apresentados aos profissionais, demonstrando o impacto e a a importância da adesão às diretrizes.

Vamos considerar o exemplo do uso continuado e excessivo de tratamentos que são sabidamente ineficazes ou nos quais os benefícios não compensam os danos potenciais causados ao paciente. Avaliações sobre o uso excessivo de testes identificaram que quase 95% das ultrassonografias e revascularizações da carótida estavam sendo realizadas por indicações incorretas ou inadequadas. As ferramentas de CDS podem comparar o caso de um paciente com as diretrizes e regulamentos, o que ajuda a agilizar o atendimento e diminui os riscos de erros na solicitação de exames.

A CDS atua como um ‘facilitador’, com um foco singular em ajudar os profissionais de saúde a melhorar os resultados clínicos por meio de cuidados baseados em evidências. A ferramenta não visa substituir o médico: existe para apoiar e capacitar, dando a estes profissionais acesso a conteúdo confiável e autorizado em todo o processo de tratamento. O profissional da saúde traz algo que a tecnologia não consegue imitar: o fator humano.

Cuidado Centrado no Paciente e Interdisciplinaridade do Cuidado

À medida que o setor de saúde continua focado na melhor prestação de cuidados ao paciente, a empatia continua sendo fundamental na prática médica. Portanto, todas as estratégias, tecnologias e recursos implantados pelos hospitais devem sempre ter o paciente no centro da estratégia (Cuidado Centrado no Paciente – CCP).

CCP é definido pelo Institute of Medicine como sendo “respeitoso e responsivo às preferências, necessidades e valores individuais do paciente, garantindo que os valores do paciente guiem todas as decisões”.

O Cuidado Centrado no Paciente e na família incentiva a tomada de decisão compartilhada sobre o manejo dos cuidados de saúde, com o potencial de melhorar a satisfação, o autogerenciamento e os resultados de saúde.

Ter o paciente no centro do cuidado destaca a importância de equipes multidisciplinares, reforçando como os profissionais de saúde devem trabalhar juntos para alcançar os melhores desfechos para seus pacientes. Muitas vezes há falta de comunicação entre os níveis de do cuidado e disciplinas, resultando na fragmentação do cuidado.

Nos ambientes de saúde, os esforços para a coordenação e interdisciplinaridade do cuidado são evidentes em estratégias, como rounds interdisciplinares para discussão de casos, e recursos, como planos de cuidados longitudinais. Enquanto os rounds eliminam os silos entre os profissionais, criando oportunidades de comunicação e alinhando o atendimento prestado ao paciente, os planos de cuidado permitem que os profissionais trabalhem em equipe por meio da tecnologia digital.

A tecnologia pode combinar a história do paciente, necessidades e valores, diretrizes de prática clínica e avaliações padronizadas em um plano de CCP que pode ser compartilhado entre os médicos relevantes em todos os níveis de atendimento e disciplinas. Ao invés de interações fragmentadas, os pacientes recebem um plano de cuidados de longo prazo de 360 ֯ com informações dos profissionais relevantes.

Vejamos os planos de cuidado como exemplo: a falta de uma “história do paciente” compartilhada e um plano longitudinal de cuidado resulta na fragmentação do cuidado. As informações fornecidas pela tecnologia permitem a combinação da história do paciente, necessidades e valores, diretrizes de prática clínica e avaliações padronizadas em um plano de tratamento centrado no paciente em todos os ambientes e disciplinas de tratamento.

Soluções como o Elsevier Care Planning fornecem planos de cuidados baseados em problemas, centrando o atendimento no cenário atual do paciente, suas necessidades e seus valores. Capacitar os profissionais que prestarão ativamente os cuidados planejados é a chave para melhorar o CCP. Os planos de cuidados devem, portanto, fornecer orientações sobre “como” abordar os comportamentos e ferramentas para transformar a cultura e a prática para apoiar o paciente, a família, a comunidade e o cuidador.

Outro exemplo de tecnologia que dá suporte ao CCP é o uso de dispositivos portáteis que criam oportunidades para melhorar a comunicação entre pacientes e familiares e capacitá-los com conhecimento.

Vamos considerar o cenário da reavaliação de um paciente internado: o uso de um dispositivo portátil permite que o médico acesse o plano de cuidado centrado no paciente no ponto de atendimento. Esse plano de cuidados, se baseado em evidências, pode subsidiar o profissional com orientações sobre os elementos de avaliação, evitando erros de omissão. Assim que a avaliação for concluída, o dispositivo portátil pode ajudar o clínico a educar o paciente – não apenas com os elementos-chave da educação, mas também com o suporte de vídeos e imagens voltados para o paciente. A educação seria então gravada no mesmo dispositivo portátil, mesclando tecnologia e informações no fluxo de trabalho de cuidado prestado ao paciente.

Conclusões

Finalmente, dados, informações e recursos melhoram a qualidade do cuidado, a segurança do paciente e a experiência em todo o processo de atendimento. No entanto, apesar dos enormes benefícios comprovados decorrentes de estruturas padronizadas, os provedores de saúde ainda encontram barreiras ao tentar implementar uma estrutura. Uma maneira de superar esses desafios é promover o uso de dados como uma ferramenta que ajuda a identificar oportunidades de melhorias, ao invés de fazer correções.

O cenário à frente é desafiador, mas a boa notícia é que cenários desafiadores muitas vezes dão espaço para inovações que mudam completamente nosso mundo e a maneira como nos comportamos – deixando-nos pensar ‘como eu poderia viver sem isso?’

Em suma, o que vemos em todo o mundo é que a saúde digital construída ‘da maneira certa’, ou seja, centrada no paciente e resultado do consenso dos profissionais, tem o potencial de empoderar os médicos e tomadores de decisão com dados, informações e recursos que, em última análise, melhoram a qualidade do cuidado, a segurança do paciente e a experiência em todo o processo de atendimento.


*Laís Junqueira é Gerente de Qualidade, Segurança do Paciente e Inovação da Elsevier.

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