Como conviver (bem) com o dr. Google
Por Alexandre Ruschi*
Ao digitar a palavra “câncer” no Google, obtêm-se 27,2 milhões de resultados em 0,56 segundos. Se a busca for bem mais ampla e genérica, por exemplo, pelo termo “doença”, o retorno é bem maior: 34 milhões; para “sintomas”, 26 milhões. Para a pesquisa por “sintoma”, há 25 milhões de sugestões.
É comum que estas buscas ocorram após exames clínicos periódicos. As consultas, nesse caso, tentam antecipar as conclusões que os pacientes ouvirão do médico. Eles querem logo saber se tudo está bem ou por que determinado exame está abaixo ou acima dos parâmetros recomendados.
A procura por detalhes sobre enfermidades não é novidade e vai além da internet. Quem nunca recebeu a ligação de um familiar ou amigo para checar se estava com alguma doença atire a primeira pedra. Da mesma forma, não são poucos os que nos consultam sobre enfermidades em uma festa ou no shopping.
Além dos sites pretensamente especializados, as pessoas também recorrem a aplicativos, nos quais leigos têm acesso a dados como sintomas e tratamentos para doenças.
Alguns desses apps, a propósito, são desenvolvidos por instituições de saúde altamente credenciadas e se propõem a auxiliar as pessoas em casos de atendimento domiciliar (por médicos), controle de vacinas, dietas, qualidade do sono e nível de açúcar no sangue, para citar apenas algumas funcionalidades.
Por mais que a abordagem da maioria dos sites seja superficial, não adianta simplesmente condenar essa invasão de área de competência. Neste mundo de redes sociais, os internautas compram, vendem, se informam, estudam, trabalham, namoram e se divertem na web. Logo, também procuram apoio quando têm sintomas de prováveis doenças.
Alguns pacientes avançam os limites e se julgam aptos a discutir o tratamento para seus males com base em informações genéricas, nem sempre obtidas em páginas com suporte científico.
Lembro que, no passado, se dizia que nós, brasileiros, éramos milhões de técnicos de futebol. Todos nos julgávamos capazes de escolher os melhores jogadores para a Seleção ou para nossos times. Nas décadas de 1980 e 1990, também nos considerávamos aptos a fazer propostas para acabar com a hiperinflação, embora não fôssemos economistas.
A diferença é que no futebol e na economia nossos palpites são apenas uma ilusão do domínio de atividades que, na verdade, exigem muito conhecimento e experiência. Na medicina, a interferência exagerada do paciente pode constranger os profissionais, que estudam longos anos para exercer uma atividade ligada à saúde e à vida.
Talvez a maioria das pessoas ainda desconheça que os médicos estão sempre participando de congressos, seminários, palestras e estudando trabalhos científicos para se atualizarem sobre os melhores tratamentos e tecnologias inovadoras em saúde.
Além disso, como resultados de exames devem ser considerados em conjunto, de acordo com o histórico do paciente, informações isoladas podem provocar pânico indesejável, desnecessário e injustificado.
Minha sugestão para os jovens médicos é que tenham paciência. Consultem a internet para se familiarizar com as dicas repassadas a seus pacientes. Dialoguem com eles. Transparência, informação, empatia e bom humor são coadjuvantes importantes de uma boa anamnese.
No passado, o médico era uma autoridade mais respeitada e acatada nas pequenas e grandes cidades do país: o que ele dizia era lei. Assim como ocorre com as operadoras de planos de saúde, também os profissionais da medicina são alvo de críticas e de contestações, e as pessoas tentam ser mais proativas em suas consultas.
O melhor antídoto contra essa situação é a confiança. Por isso, o ideal é que médicos e pacientes tenham relações duradouras para ampliar o respeito e o entendimento mútuo do seu histórico de saúde.
Não adianta reclamar do dr. Google. Temos de nos adaptar aos novos tempos, como os médicos sempre fizeram à medida que surgiam avanços tecnológicos, tratamentos inovadores ou simplesmente mudanças comportamentais.
*Alexandre Ruschi é Médico, presidente da Central Nacional Unimed.