A cláusula de coparticipação em contratos de seguro de saúde
Por Luana Sales Barros da Silva
O crescente número de demandas judiciais que buscam a declaração de nulidade ou a caracterização de abusividade das cláusulas de coparticipação tem ampliado o debate acerca da legalidade dessas disposições nos contratos de planos de saúde.
No entanto, uma simples análise da legislação vigente e da jurisprudência atual, à luz do princípio do equilíbrio contratual, evidencia que a cláusula de coparticipação constitui uma manifestação legítima da autonomia da vontade das partes no momento da pactuação do contrato de adesão ao plano de saúde.
Isso porque, nessa modalidade, o consumidor, ao optar por uma mensalidade mais acessível, assume o compromisso de arcar com um valor adicional fixo destinado à contraprestação devida à operadora, responsável pelo custeio do valor remanescente do procedimento, permitindo que os custos dos serviços sejam distribuídos entre as partes e assegurando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
A Lei nº 9.656/98, em seu art. 16, VIII, reconhece expressamente a validade da coparticipação, desde que haja previsão contratual clara, com identificação dos procedimentos sujeitos ao regime e definição objetiva dos percentuais aplicáveis.
A regulamentação infralegal reverbera o mesmo entendimento: a Resolução CONSU nº 8/1998 apenas veda mecanismos que imponham ao beneficiário o custeio integral do procedimento ou dificultem indevidamente o acesso ao serviço, enquanto a Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS estabelece que a coparticipação está limitada a 50% do valor contratado entre operadora e prestador, devendo observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
É evidente, assim, que a principal finalidade da modalidade de coparticipação é assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, atuando como mecanismo de moderação no uso dos serviços e de repartição equitativa dos custos.
Esse modelo possibilita a manutenção de mensalidades mais acessíveis, amplia o acesso dos consumidores aos serviços de saúde e vincula parte do pagamento ao uso efetivo do plano, contribuindo, assim, para a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar e para a prevenção de aumentos generalizados nas mensalidades de todos os beneficiários. Desse modo, quem mais utiliza, pagará mais do que quem menos utiliza.
A jurisprudência, de igual modo, é firme ao reconhecer a validade da cláusula de coparticipação, desde que observados os deveres de informação e transparência contratual.
O judiciário, nesse contexto, tem papel relevante para estabilizar a judicialização das demandas que questionam as cláusulas e os cálculos de coparticipação nessa modalidade de contratação, o que deve ser feito, por um lado, para confirmar se as operadoras estão aplicando as coparticipações e os reajustes anuais de forma legal e, de outro lado, rechaçar com firmeza as milhares de ações, muitas delas movidas em massa mediante advocacia predatória e que genericamente discutem nulidade ou abusividade de cláusulas contratuais, de cálculos de coparticipação e de reajustes.
Não se pode, assim, desconsiderar que a adoção de uma interpretação consumerista irrestrita, sem observância dos princípios contratuais, fragiliza a segurança jurídica e desconsidera o pacto assumido entre as partes, além de efetivamente contrariar os dispositivos legais e regulamentares incidentes sobre a questão.
Ao aderir ao contrato, as partes assumem obrigações recíprocas, uma vez que cabe à operadora prestar informações adequadas e fornecer demonstrativos claros das cobranças, enquanto ao beneficiário incumbe o dever de adimplir a parcela proporcional ajustada e ao judiciário, ainda, preservar o equilíbrio dessas relações.
Na hipótese de controvérsia, é de se ressaltar que a análise técnica por perito atuarial é essencial para verificar a regularidade das cobranças e subsidiar a análise do magistrado acerca da aderência do contrato às normas regulatórias e às práticas de mercado, permitindo uma decisão mais bem embasada e que possa contribuir para a formação de uma jurisprudência técnica sobre o tema.
Assim, a modalidade de coparticipação não deve ser vista como obstáculo ao direito à saúde, mas como ferramenta essencial à ampliação do acesso à saúde e à manutenção da viabilidade econômica dos planos de saúde privados, amplamente respaldada na legislação e nas resoluções da agência reguladora do setor.
*Luana Sales Barros da Silva é advogada no Serur.
