53 mil cirurgias de câncer não foram realizadas no SUS durante a pandemia
Levantamento divulgado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) quantifica o impacto da pandemia de Covid-19 nas cirurgias de câncer em geral e nos exames de rastreamento populacional de câncer de mama, próstata, colorretal e colo do útero no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir da base de dados TABNET/DataSUS, do Ministério da Saúde, a SBCO identificou que, comparado com 2019, foram realizadas 19.111 cirurgias oncológicas a menos em 2020, 15.450 a menos em 2021 e 19.254 a mens em 2022. Os dados de 2022 consideram os números disponíveis até junho, desconsiderando julho e agosto por conta de dados que podem ainda não ter subido nas bases do DataSUS.
Somando o represamento dos anos de 2020 e 2021 e o primeiro semestre de 2022 – tendo como base o ano de 2019 (o último antes da pandemia) – são 53.815 cirurgias oncológicas que deixaram de ser realizadas durante a pandemia no Sistema Único de Saúde. “O maior complicador é que não houve redução do número de casos de câncer. O que ocorreu foi o represamento destas cirurgias. E muitas, que foram realizadas, chegaram para em fase mais avançada”, alerta o cirurgião oncológico e presidente da SBCO, Héber Salvador.
O especialista observa que os pacientes estão chegando com tumores maiores e mais agressivos, o que exige procedimentos mais extensos e qualificação profissional. Embora o panorama esteja melhorando, por conta da queda dos números da pandemia e avanço da imunização contra Covid-19, é missão da SBCO trabalhar pela retomada dos cuidados e exames periódicos e que a população tenha, em dia, a sua mamografia, toque retal, colonoscopia, dentre outros exames de rastreamento, assim como os meninos e meninas vacinados contra o vírus HPV.
Até 2040, a demanda por cirurgias relacionadas ao câncer, segundo estudo publicado na revista The Lancet, deve aumentar 52%, chegando a 13,8 milhões de procedimentos nos próximos 20 anos. Para dar conta desse cenário, estima-se que quase 200 mil cirurgiões e 87 mil anestesistas adicionais sejam necessários para cumprir o desafio. Além disso, também será preciso melhorar sistemas de saúde para evitar mortes decorrentes de complicações pós-operatórias.
Queda dos exames de rastreamento de câncer
A estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA), anunciada antes da pandemia, era que seriam registrados 626 mil novos casos de câncer por ano no Brasil no triênio 2020/2022. Os dados levantados no DataSUS apontam que, exclusivamente no sistema público, foram 351 mil novos casos diagnosticados em 2020 e 368 mil novos casos em 2021. Antes da pandemia, em 2019, foram 386.485 novos casos.
A SBCO, a partir do TABNET/DataSUS, levantou como a Covid-19 refletiu no rastreamento de câncer. O programa de screening, denominado no Brasil como rastreamento, é o conjunto de métodos aplicados para o diagnóstico precoce do câncer ou descoberta de lesões pré-cancerosas em determinada população que não apresenta sinais ou sintomas de câncer. Como base nisso, a entidade levantou os dados de biópsias de mama e próstata, assim como de colonoscopia e Papanicolau.
Foram realizadas 43.045 biópsias de mama em 2019, caindo para 34.889 em 2020 e uma retomada em 2021 para 41.005, refletindo em 10.186 biópsias a menos nos dois primeiros anos da pandemia. No mesmo período, houve o represamento de 14.123 biópsias de próstata. Essenciais para retirar lesões pré-malignas no intestino grosso, foram 148.111 colonoscopias represadas no período. Já o exame de Papanicolau, por conta de seu volume de procedimento, registrou a mais alarmante: mais de 2,2 milhões de exames a menos em 2020 e 2021.
Um problema que se fazia presente antes da pandemia
Antes da pandemia, o câncer já gerava preocupação em todo o mundo por conta de gargalos no diagnóstico, com altas taxas de tumores avançados até mesmo para tipos de câncer que possuem exames de rastreamento como mamografia, colonoscopia e Papanicolau. Além da descoberta tardia, que aumenta a complexidade do tratamento e custos e reduz as chances de cura, havia também a perspectiva do exponencial aumento da incidência da doença em duas décadas. Quando Covid-19 ainda não era pauta mundial, a projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) era de 19,3 milhões de casos em 2020 e um salto de 64,1% em 20 anos, ou seja, atingindo a marca de 30 milhões de novos casos em 2040.
Paralelamente, no Brasil eram esperados que entre 2020 e 2022 houvesse cerca de 625 mil novos casos de câncer por ano. Considerando uma média de 60% de aumento em duas décadas, chegaríamos à alarmante marca de 1 milhão de novos casos/ano em 2040 no país. Com a chegada da Covid-19, o câncer não deixou de existir. Pior que isso, a doença evoluiu em agressividade, pois houve a drástica redução de exames e visitas /revisões com médicos e especialistas que poderiam diagnosticá-la precocemente. Diante deste cenário, com a proposta de conscientizar a população sobre a importância do cuidado com a saúde, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) lançou a campanha Não dá para esperar. Cuide-se. O câncer não ficou de quarentena.
O cirurgião oncológico e presidente da SBCO, Héber Salvador, explica que a ação será um movimento permanente. “Vamos desenvolver inúmeras ações com o propósito de conscientizar a população a estar atenta aos sinais do corpo, aos exames indicados para sua faixa etária e, aos pacientes oncológicos, que não negligenciem o tratamento. Será um movimento permanente, que irá abraçar as demais campanhas que já são tradicionais ao abordar tipos específicos de câncer, como o Setembro Lilás, Outubro Rosa, Novembro Azul e Dezembro Laranja. Além disso, temos também a tradicional Ação Nacional de Combate ao Câncer da SBCO também em novembro”, detalha.
Com a campanha 360º, que envolve conteúdo multimídia e qualificado nas mídias digitais e ações externas com a população, a campanha, além de conscientizar a população, visa engajar os mais de 1400 cirurgiões oncológicos membros da SBCO. Paralelamente, é essencial também a atuação multiprofissional. “Precisamos lutar pela maior oferta do ensino de Oncologia em todas as faculdades de Medicina do país e que esta disciplina também figure na grade curricular de outras áreas de saúde, essenciais para o cuidado multidisciplinar do paciente oncológico, como Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Enfermagem, dentre outras. Os médicos e os demais profissionais da saúde precisam aprender a pensar oncologicamente. Com isso, a população será mais bem assistida por eles em todas as etapas, da prevenção à reabilitação pós-tratamento”, conclui.