Cirurgia ambulatorial nos EUA como estratégia de redução de custos. O que aprender?
Por Newton Quadros
São muitos os artigos sobre a alta sinistralidade do sistema privado de saúde, que limita o crescimento e ameaça o setor, e sobre as longas filas cirúrgicas do SUS. No entanto, parece que viramos especialistas em queixas e problemas e, talvez, não estejamos investindo o suficiente para a busca de alternativas criativas e concretas com vista a minorar os complexos problemas comuns ao setor de saúde. Apesar de conviver também com grandes desafios no setor de saúde, os norte-americanos adotam uma postura mais pragmática e resolutiva na busca de soluções.
Uma delas refere-se à constante evolução da cirurgia ambulatorial, com uma alternativa de redução de custos assistenciais para os setores público e privado de saúde. Esta é uma alternativa para a realização de procedimentos cirúrgicos, com custos mais baixos, menor tempo de espera, maior acesso e menor risco de infecções relacionadas à assistência à saúde. A experiência norte-americana pode ensinar muito ao Brasil no que tange à busca de um sistema de saúde mais sustentável.
Os denominados Ambulatory Surgery Center – ASC, surgiram na década de 1970 nos Estados Unidos, inicialmente focados em procedimentos oftalmológicos e dermatológicos. A partir das décadas de 1980 e 1990, houve uma expansão do uso de ASCs para outros tipos de procedimentos cirúrgicos como ortopedia, gastroenterologia e cirurgia plástica. Atualmente, o ASC é uma opção comum para muitos tipos de cirurgias eletivas, em diversas especialidades cirúrgicas, e há cerca de 5.900 unidades operando em todo o país. Nos últimos anos, o setor de cirurgia ambulatorial tem sido impactado por várias mudanças, incluindo alterações regulatórias, avanços tecnológicos e evolução no comportamento do consumidor.
Em relação às mudanças regulatórias, em 2019 o Centers for Medicare & Medicaid Services (CMS), que é a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, revisou o modelo de pagamento para a cirurgia ambulatorial, permitindo um maior número de procedimentos a serem realizados e cobrados em ASC. Além disso, as unidades de cirurgia ambulatorial estão sujeitas a regulamentação estadual e municipal.
Em termos de comportamento do consumidor, a crescente conscientização sobre custos e a procura por cuidados de saúde mais convenientes e personalizados estão impulsionando a popularidade da cirurgia ambulatorial. A receita total da indústria de cirurgia ambulatorial nos Estados Unidos, em 2020, foi de cerca de US$ 42,8 bilhões. Em 2015, essa receita total era de US$ 31,4 bilhões, o que indica um crescimento significativo em apenas cinco anos. Em 2020, havia mais de 5.900 ASCs nos Estados Unidos. Esse número cresceu a uma taxa média de cerca de 1,8% ao ano nos últimos cinco anos.
A relação do Medicaid e do Medicare com o setor de cirurgia ambulatorial
O Medicaid e o Medicare são programas governamentais de assistência médica nos Estados Unidos que oferecem cobertura de saúde para pessoas de baixa renda, idosos e pessoas com deficiências. Ambos os programas têm políticas específicas para cobertura de serviços prestados em Ambulatory Surgery Centers (ASCs).
O Medicaid cobre procedimentos cirúrgicos realizados em ASCs, desde que os serviços estejam listados na sua Tabela de Procedimentos Cirúrgicos Ambulatoriais do (Medicaid Ambulatory Surgical Procedure Table) e sejam considerados cirurgicamente apropriados para serem realizados em um ambiente ambulatorial. Além disso, as unidades de ASCs devem atender aos requisitos de certificação do Medicaid e seguir as regras estabelecidas pelo programa para a prestação de serviços.
Qualidade combina com a cirurgia ambulatorial
Existem vários sistemas de garantia da qualidade e acreditação disponíveis para os Ambulatory Surgery Centers (ASCs) nos Estados Unidos. Os principais são: Accreditation Association for Ambulatory Health Care (AAAHC): A AAAHC; The Joint Commission (TJC); Healthcare Facilities Accreditation Program (HFAP); Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS).
Além desses sistemas de garantia da qualidade e acreditação, existem outros programas e iniciativas que ajudam os ASCs a melhorar a qualidade do atendimento e a segurança do paciente, como o National Quality Forum (NQF) e o Surgical Quality Alliance (SQA).
O modelo de cirurgia ambulatorial oferece vários benefícios para o setor de saúde nos Estados Unidos. Alguns dos principais benefícios são: redução de custos; melhoria da eficiência; qualidade de atendimento; acesso ao cuidado, uma vez que são mais facilmente encontrados em áreas urbanas e suburbanas; redução de infecções; e flexibilidade em termos de agendamento de cirurgias.
A cirurgia ambulatorial e os desafios do setor de saúde no Brasil
Em 2020 foi criada a Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial – SOBRACAM, com o objetivo de contribuir para o fomento do modelo de cirurgia ambulatorial no território nacional. A importância da Sociedade se dá pelo fato de esse modelo ser tão pouco desenvolvido em nosso país e que poderia contribuir muito com a redução de custos, aumento do acesso e redução de filas cirúrgicas, a exemplo do que já vem ocorrendo em diversos países, há décadas.
O modelo da cirurgia ambulatorial não é a solução para todos os problemas de sustentabilidade do setor, óbvio, mas faz parte do rol de ações estratégicas que poderiam ser adotadas pelo governo e operadoras de planos de saúde, visando a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Deixaram de ser os queixosos e individualistas, para adotar uma postura mais focada nas soluções sistêmicas e cooperativas.
*Newton Quadros é responsável técnico pelo projeto Neo Life, em Brasília. Também é especialista em Gestão de Saúde e Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial – SOBRACAM.