O cenário das pesquisas clínicas no Brasil: oportunidades e desafios

Por Luciana Murad Costa

Nos últimos anos, o Brasil tem se destacado no cenário global de condução de pesquisas clínicas, posicionando-se entre os 20 países líderes nesse segmento, segundo dados da Anvisa.

Entre os fatores favoráveis que fazem do país um local privilegiado para a realização desses estudos estão a diversidade étnico e genética da população, o custo competitivo em comparação a outros países, a excelência técnica dos centros de pesquisa nacionais, e um ambiente regulatório propício.

Os atores do setor apontam que o Brasil tem condições de conquistar ainda maior relevância no cenário global de pesquisas clínicas, atraindo investimentos internacionais, estimulando o avanço científico e trazendo benefícios diretos para a população. No entanto, o país ainda enfrenta entraves regulatórios que limitam o aproveitamento desse potencial.

Também chamados de ensaios clínicos, as pesquisas clínicas são estudos científicos realizados com seres humanos para avaliar ação, segurança e eficácia de medicamentos, técnicas, procedimentos ou dispositivos médicos, antes de sua disponibilização no mercado, constituindo etapa prévia e necessária para que novos fármacos, vacinas, e terapias possam chegar à população.

A maioria dos estudos clínicos concentra-se nas áreas de oncologia, doenças infecciosas, raras ou crônicas e terapias gênicas. Assim, além de viabilizar o desenvolvimento de novos tratamentos, as pesquisas clínicas possibilitam aos pacientes acesso antecipado a alternativas inovadoras e contribuem para o avanço científico e tecnológico no país.

Do ecossistema das pesquisas clínicas fazem parte o patrocinador, geralmente representado pela indústria farmacêutica; o centro de pesquisa, instituição onde o estudo é conduzido; o investigador ou pesquisador, médico responsável pela condução da pesquisa e pela segurança dos participantes; e o paciente, aquele que se dispõe, de forma voluntária e não remunerada, a participar do estudo clínico.

Para que uma pesquisa clínica possa ser realizada no país, é necessário que o seu protocolo passe por rigorosas análises de critérios técnicos e éticos, sendo necessário obter a aprovação prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que verifica as diretrizes de boas práticas clínicas, e dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), responsáveis por avaliar os aspectos éticos e assegurar os direitos, a segurança e o bem-estar dos participantes.

Entretanto, a burocracia e a morosidade desses processos de aprovação frequentemente representavam entraves à realização de pesquisas, levando patrocinadores estrangeiros a migrarem os estudos para outros mercados.

Nesse contexto, a promulgação da Lei nº 14.874, de 18 de maio de 2024, marco legal da pesquisa com seres humanos no Brasil, representou um grande avanço ao alinhar as normas nacionais com padrões internacionais de boas práticas clínicas e promover maior celeridade e desburocratização no processo de aprovação dos protocolos de pesquisa, e conferir maior racionalidade e previsibilidade ao processo, inclusive com a fixação de prazos máximos de análise.

Em que pese a Lei nº 14.874/2024 esteja prestes a completar um ano de vigência, suas diretrizes ainda não foram plenamente concretizadas, já que diversos dispositivos da Lei ainda dependem de regulamentação pelo Executivo para que possam ter efetividade, tais como o funcionamento do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, o credenciamento/acreditamento das instâncias de análise ética e o rol de documentos necessários para instruir o processo de análise.

Recentemente, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial a dispositivos da Lei de Pesquisas Clínicas, reinserindo, entre outros pontos, a possibilidade de interromper o fornecimento gratuito do medicamento ao paciente no período pós-estudo, após cinco anos da sua entrada no mercado. O veto havia sido motivado pela proteção dos interesses dos participantes da pesquisa, criando a obrigação de fornecimento da medicação pelo patrocinador aos pacientes, após o término do estudo, sem limitação temporal. A questão, embora controversa, era considerada pelos patrocinadores um grande ônus e um desestímulo à realização de pesquisas clínicas no país.

O que se percebe é que o grande desafio está em promover a inovação científica e fomentar as pesquisas clínicas, sem descuidar da proteção dos participantes. Dessa forma, a regulação precisa, ao mesmo tempo, incentivar o desenvolvimento de novas terapias no país, atraindo patrocinadores internacionais, e garantir a ética dos estudos, a segurança e os direitos dos pacientes envolvidos.

Diante desse cenário de oportunidades de crescimento do setor, e de lacunas na regulação para plena aplicação da Lei nº 14.874/2024, os contratos a serem firmados entre os centros de pesquisa nacionais, investigadores e patrocinadores exigem atenção redobrada, mormente quando se considera que a maior parte dos patrocinadores são grandes farmacêuticas estrangeiras. Cláusulas claras quanto às obrigações das partes, delimitação de responsabilidades, critérios de remuneração, seguros, país do ordenamento jurídico de regência e foro de eleição, prazos de manutenção de documentação, proteção de dados e propriedade intelectual, são aspectos críticos para a boa gestão contratual nesses projetos.


*Luciana Murad Costa é advogada do Bhering Cabral Advogados.

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